terça-feira, 28 de outubro de 2014

Missa de sétimo dia


Para não dizer que nasci pobre – já que a vida é uma dádiva divina e, portanto, uma riqueza – vou dizer que nasci simples. Nasci simples, filho de pais simples, sem posses senão também a vida, sem instrução formal, mas com um orgulho tão grande de serem honestos e tão enorme convicção de autossuficiência que aparentava uma insana coerência. Não eram mais que idealistas. Quando eu me entendi por gente, isso me assustou, assim como até hoje se assustam os que têm a oportunidade de me conhecer, pois saí aos meus pais.
Sim, sei, tenho falhas, admito, mas cresci, estudei, procurei meu lugar ao sol, não enriqueci – nem quero – mas mudei minha condição social e nunca precisei me render ao relativismo moral que hoje impera no país e no Estado e que, infelizmente, tive o desprazer de experienciar bem de perto nessas eleições. O que era pra ser um exercício de democracia acabou se tornando um palco de imoralidades.
Durante minha criação, no pouco tempo em que meu pai esteve presente, ele fez o que pôde, e se mais não fez foi por fraqueza ou pobreza de espirito, não por falta de oportunidade. Mas nunca fez ou deixou de fazer algo por imoralidade. Minha mãe não me educou com dinheiro – não tínhamos – mas me educou com honra, e isso vale mais do que qualquer 30 moedas. Embora precisássemos, minha mãe nunca aceitou benefício de quem quer que fosse. Como ela dizia, tinha pernas, braços e saúde pra trabalhar. E trabalhou como pôde, conseguiu o emprego que sua educação lhe permitiu, mas nunca aceitou esmola de ninguém. Com essa ideologia cresci, e é essa mesma consciência social que pretendo passar aos filhos que ainda terei.
Infelizmente, o cenário que se nos apresenta hoje no país é de decadência cultural e educacional, de valores éticos e morais degenerados, em que vale tudo para se manter no poder. Os argumentos são sempre os mesmos: “Não é assistencialismo...”; “Governamos para os pobres...”; “Apoiamos as minorias...”; “A vida vai melhorar”; “Eles estão contra nós”. O reforço incansável dessas úteis mentiras é ratificado ainda mais pelo embotamento do intelecto das massas, pelo agrado do Deus de Aristófanes e pela mitificação da bondade populista. Não passam de uma legião de viciados políticos, sanguessugas, oportunistas, preguiçosos, pobres ou não, instruídos ou não, de desqualificados querendo se dar bem, mas que se igualam no mesmo vício político e constroem um hábito que degenera e causa prejuízo não só a eles, mas também a mim, à nação; mas sou eu que, sendo economicamente ativo, trabalho, produzo, tenho que pagar por isso.
A meu ver, essa colonização é uma mazela muito mais nefasta do que qualquer doença biológica, pois é ideológica e social, prostitui o indivíduo, a nação. Porém, pior do que ser um desgraçado-ignorante-colonizado é ser um educado-idiota-medíocre-prostituído que se vende e vende a família, a mulher e os filhos, o seu bem mais precioso. É todo esse tipo de gente que destrói um país.
Essa mitificação do “governo salvador dos pobres” só poderá gerar uma nação de parasitas, pois institucionalizará a hipocrisia, moldará caráteres, favorecerá o surgimento de uma nação de medíocres, cujo lema será a corrupção como norte para a sobrevivência. Poderá chegar o dia em que dirão: “Ame-nos ou morra!”
Se não me calo e assim me expresso, perdoe-me o leitor, é porque entendo que cada vez que você abdica do seu direito de protesto, dos seus direitos e deveres constitucionais como cidadão e agente público, você nega os seus valores pessoais e profissionais nos quais acredita e, assim, acaba contribuindo omissivamente para a degradação dos valores morais da sociedade na qual você está inserido. Não pretendo – não sou inocente a este ponto – salvar o mundo, mas também não me empurrem goela abaixo – também não sou tão ignorante – a verdade de vocês. Já sei construir as minhas próprias verdades que, como diria um amigo meu, “não são para todos os ouvidos”.
Enquanto escrevia esse texto, assistia a um jornal numa emissora local de João Pessoa, PB, e o repórter dizia que nove! – isso mesmo – nove pessoas haviam sido assassinadas em 24 horas na região metropolitana da capital. Conclusão? Isso não me admira nem me consterna. A propósito, consterna-me muito mais saber que no último domingo (26.10.2014), em menos de 12 horas, 196.509 (cento e noventa e seis mil e quinhentos e nove pessoas!) morreram moralmente no meu Estado, o ACRE! Plácido de Castro parece ter lutado por nada e deve estar se retorcendo no túmulo.
Mesmo correndo o risco de cair no lugar comum, devo dizer que estou sentindo vergonha alheia. Na atual conjuntura, a ignorância, a mediocridade e a arrogância podem cegar... e até matar; pois quando gritarem: "O rei está nu!", aí já vai ser tarde demais. O Acre já terá feito jus ao rótulo pelo qual é conhecido no Brasil: não vai mais existir!
          Resta-me ainda uma esperança: gostaria de estar errado!


Wallace Rocha
João Pessoa – PB, Outubro de 2014


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Apollo 13

Apollo 13. Direção de Ron Howard. Produção de Brian Grazer. Universal, 1995. DVD.


RESENHA


Manoel Jorge da Silva Sousa
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto

O presente estudo tem como objetivo a análise do filme “Apollo 13” (1995), dirigido por Ron Howard, produzido por Brian Grazer, e distribuído pela Universal Studios.
O filme trata da história de uma das tragédias mais desestabilizadoras da história da Agência Espacial Americana (NASA), baseada no livro Lost Moon: The Perilous Voyage of Apollo 13, do piloto Jim Lovell, e é considerado.
Em 11 de abril de 1970, passado somente um ano dos primeiros passos na superfície lunar, a NASA envia ao satélite um novo grupo de astronautas na missão Apollo 13. Jim Lovell (Tom Hanks), Fred Haise (Bill Paxton) e Jack Swigert (Kevin Bacon) foram enviados em uma missão de reconhecimento e aparentemente de rotina, missão esta que seria a terceira a pousar na superfície lunar.
Porém, já no espaço, um tanque de oxigênio explode. Com o acidente, os astronautas Jim Lovell, Jack Swigert e Fred Haise não conseguem seguir para Lua e ainda correm o risco de ficar sem oxigênio e energia suficientes para voltar à Terra. A partir deste ponto a narrativa descreve as soluções encontradas pela Agência Espacial Americana (NASA) para trazer os tripulantes da nave de volta à Terra. Agora a equipe a bordo e a equipe da Agência Espacial, em terra, começam a correr contra o tempo e improvisar novo plano para resgatar a equipe.
Ainda hoje o filme é considerado um dos cinco melhores na história de conquista do espaço e outros temas, por retratar questões que transcendem a vida profissional e a vida pessoal, ajudando até mesmo nas rotinas do quotidiano, motivo pelo qual propomos esta análise.
Quanto à metodologia utilizada, os principais trechos que envolvem tensões e conflitos no longa-metragem foram selecionados e sobre essas cenas foram aplicadas as teorias do sobre planejamento estratégico, planejamento corporativo e processo decisório, observando o ambiente, as situações, os agentes envolvidos, os objetivos, as estratégias adotadas, o modelo decisório e o resultado obtido. 
Segundo Igor Ansoff (1990) (apud ALDAY, 2000), somente um número reduzido de empresas utiliza o verdadeiro Planejamento Estratégico. A maioria das organizações continua empregando as antiquadas técnicas do Planejamento a Longo Prazo, que se baseiam em extrapolação das situações passadas.
No filme em análise, nos parece que a Agência Espacial Americana não adotava um planejamento estratégico, mas sim o planejamento a longo prazo, e isto é perceptível ao vermos no filme quando foram surpreendidos por um problema técnico, e, para resolvê-lo, foi necessário improvisar a solução de forma emergencial.
A estratégia de enfrentamento do problema foi desenvolvida e posta em prática conforme o problema evoluía, e todo o improviso evidencia que a agencia não estava preparada para a emergência. Todos os procedimentos foram tomados com base nas missões anteriores, e um problema que não havia ocorrido antes e para o qual não estavam preparados inviabilizou a missão. O diferencial neste caso foi a equipe técnica, que com poucos recursos a bordo do módulo espacial, em consonância com a equipe em terra, conseguiram, através de liderança forte, trabalho de equipe e conhecimento técnico, salvar a vida dos três astronautas.   
Maxwell (2007) utiliza o exemplo da Apollo 13 para falar do trabalho em equipe. Diz que a NASA possuía três equipes de trabalho para acompanhar o vôo alternadamente, cada qual em seu turno, mas, devido a situação emergencial, as três se juntaram para pensar soluções conjuntas sobre a liderança de Gene Kranz.
No que concerne ao processo decisório, Hebert Simon (1991) (apud BALESTRIN, 2001), em seus estudos sobre tomada decisão, afirmou que “as pessoas devem considerar que os tomadores de decisão possuem habilidades limitadas para avaliar todas as possíveis alternativas de uma decisão, bem como lidar com as consequências incertas da decisão tomada...”. (SIMON, 1999, p. 94).
Este processo é claramente observado no filme, na atitude do chefe da missão. Como técnico, não conhecia a fundo todas as áreas envolvidas na missão espacial, e resolveu reunir o máximo de especialistas possível, inclusive recrutando o astronauta que ficou de fora da missão, por suspeita de rubéola, bem como todos os funcionários envolvidos com a missão, mesmo os de folga. Com base nas informações repassadas pelos especialistas, foi tomando as decisões que entendia mais apropriadas.
O retorno dos astronautas em segurança mostra que a estratégia de tomada de decisão foi a correta, pois mesmo diante do fracasso da chegada à Lua, o retorno dos tripulantes em segurança acabou representando uma vitória institucional e pessoal, na medida em que envolveu emocionalmente todos os técnicos que participaram do processo.
É óbvio que não se atinge os objetivos almejados sem preparação, estabelecimento de metas e treinamento, sem mencionar todo o acompanhamento do processo por uma equipe técnica especializada, revendo procedimentos, verificando falhas, fazendo os ajustes necessários, e cercando-se de cuidados com imprevistos. Mas mesmo dispondo dos recursos e meios necessários, nem sempre é possível prever eventuais problemas, quando isso não faz parte da cultura da empresa ou da corporação.
É notado no filme com bastante clareza todo um planejamento na preparação para o embarque nos momentos de trabalho dos astronautas nos dias que antecedem a partida, o que é essencial para se fazer um trabalho bem feito. Porém, também se percebe que deveria ter havido uma alternativa para o caso de o planejamento original não ocorrer como o esperado, provocando assim um imprevisto, o que de fato aconteceu.
A exemplo desse tipo de falha, ressaltamos um último ponto a ser considerado no que se refere questão da cultura organizacional da NASA. Para Mittelstaedt (2005), a Agência Espacial Americana não tinha uma cultura preventiva. Em sua opinião, “foi claramente uma sequência de erros provocada por uma cultura que queria provar que ‘tudo é trivial’, ‘todos os sistemas são exitosos’ e que ‘é tão seguro quanto entrar num avião’” (2005:139).
A missão da Apollo 13 já começara com imprevistos, e novos imprevistos surgiram no decorrer do encargo. Isso já demandava de toda a equipe envolvida na missão concentração e foco na resolução qualquer eventual problema. Ainda assim, isso foi desconsiderado.
Instalado o problema, Gene Kranz, diretor do voo, vendo que não conseguiria cumprir a missão, pois estava acabada, optou pela decisão inevitável de conservar a vida dos astronautas e trazê-los de volta á terra numa nave avariada.
Há que se considerar, porém, que tal decisão, em meio à situação de crise posta, era bastante perigosa. E em situações de periculosidade extremada, sempre há espaço para uma reflexão. Por mais emergentes que sejam, as ações requerem análise, estratégias e cooperação recíproca. Daí a decisão de ouvir opiniões, consultar os colaboradores, verificar e analisar alternativas e ter o bom senso de optar pelo que era menos arriscado.
Se objetivo inicial da Apollo 13 não fora alcançado, a experiência tirada a partir do feito realizado foi tão grande que faz que este tenha os seus méritos reconhecidos, pois permitiu pensar no que de fato era mais importante. No caso em questão, significou a manutenção da vida dos astronautas da missão Apollo 13.
A liderança focada em um objetivo de união, em ações sincronizadas de todos por um único bem comum, acabou por transformar um desastre em triunfo.

Fontes Consultadas
ALDAY, H. E. C. O Planejamento Estratégico dentro do Conceito de Administração Estratégica. 2000. Disponível em <http://www.paulorodrigues.pro.br/arquivos/aula_01_adm_ii_orientada.pdf> (Acesso em 02/09/2014).
BALESTRIN, A. Uma análise da contribuição de Herbert Simon às Teorias Organizacionais. 2001. Disponível em <http://www.read.ea.ufrgs.br/read28/artigos/ARTIGO02.PDF> (Acesso em 02/09/2014).
MAXWELL, John C. As 17 incontestáveis leis do trabalho em equipe. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007.
MITTELSTAEDT, Robert E. Seu próximo erro pode ser fatal? – Os equívocos que podem destruir uma organização. São Paulo: Bookman, 2005.
SHIMIZU, Heitor. Apolo 13 vira filme: Houston, temos um problema aqui. In: Revista Super Interessante. Agosto de 1995 (Ed.095). Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/apolo-13-vira-filme-houston-temos-problema-aqui-441116.shtml> (Acesso: 26/08/14).

domingo, 3 de agosto de 2014

LETRA E ALMA

Por Marcya Sussuarana Lira

Sou amante da escrita. Já alfabetizei muita gente. Minhas emoções (boas ou ruins) me impulsionam a escrever. E fica fácil saber quando algo ou alguém mexeu no meu "tanquinho emocional".
Encontrei uma pessoa esses dias, com a qual troquei muitas cartas. Essa pessoa me disse estar com saudades, mas percebi que a saudade ia além do contato visual (face a face). Era uma saudade caligráfica.
Com todo esse desenvolvimento digital, eu também fui transformada. Minha letra, inconfundível e cheia de personalidade, virou a formal e fria Arial.
O tempo e a velocidade do mundo levou com o vento muita coisa boa: a expectativa do correio, o exercício grafomotor, o perfume deixado no papel, a pessoa descrita por sua escrita...
Pela letra, é possível desvendar cantos escondidos da nossa personalidade, mas o mundo de máscaras parece mesmo ter conquistado mais aliados, o teclado, o e-mail, o Word...
Já ouvi dizer que em terra de WhatsApp ligação é prova de amor. Acho também. Às vezes me pego cedendo às facilidades e às autodefesas embutidas em mensagens virtuais. Você xinga, se declara, e se quiser ignorar e não quiser ser indelicado, basta dizer que não leu. Enfim, o mundo frio e sem contato. Me sinto só.
Mas hoje me desafiei e passo a reescrever a nova história da minha escrita. Fazendo uso do que é tecnologicamente necessário, sem abrir mão do calor e do carinho perfumado de uma carta desvelada.
Corra à caixa de correio. Pode ter algo lá, esperando por você.

 


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Criminologia crítica e crítica do direito penal

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.pp.59-83.

Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto

A mudança sociológica mais significativa realizada pela criminologia contemporânea se deu, segundo Barata, através da teoria estrutural-funcionalista do desvio e da anomia introduzida por Emile Durkheim e desenvolvida por Robert Merton. Esta teoria oferece uma alternativa à construção doutrinária dos caracteres diferenciais biopsicológicos do delinquente, questionando a ideia positivista do princípio do bem e do mal.
Durkheim vê o crime como um fenômeno natural a qualquer sociedade. Enquanto elemento funcional, o delito, segundo o sociólogo, faz parte da fisiologia da vida social, e não de sua patologia, exceto quando exteriorizado de modo excessivo, negativo, ultrapassando os limites, gerando desorganização, estado em que todo o sistema de regras vigentes perde o valor, enquanto novo sistema não emerge e se firma.
Embalado pelas ideias de Durkheim, Merton desenvolve a sua teoria funcionalista da anomia, cujo estudo centra-se não somente na estrutura social, mas em suas desigualdades. Merton vê o desvio como um produto da estrutura social, não tendo esta somente um efeito repressivo, mas também estimulante sobre o comportamento individual. A teoria da anomia é definida por Merton como “a crise da estrutura cultural”.
            Ainda segundo Merton, a tensão entre estrutura social e os valores culturais produzem diferentes tipos fundamentais de respostas individuais, de onde derivam cinco modelos de “adequação individual” ou estratificação social:
1) Conformidade: resposta positiva, tanto aos fins culturais quanto aos meios institucionais;
2) Inovação: adesão aos fins culturais, sem o respeito aos meios institucionais (esse indivíduo é o tipo delinquente);
3) Ritualismo: respeito apenas formal aos meios institucionais, porém sem a persecução dos fins culturais;
4) Apatia: negação dos fins culturais e dos meios institucionais;
5) Rebelião: afirmação substitutiva de fins e meios alternativos;
Para Merton, essa análise de criminalidade constitui um reforço de sua tese sobre o desvio inovador, uma vez que os seus agentes aderem e personificam decididamente o fim social dominante na sociedade norte-americana, sem interiorizar as normas institucionais.
Baratta, porém, critica a construção original de Merton no que se refere à criminalidade de colarinho branco, alegando que a teoria mertoniana é adequada somente para explicar superficialmente a criminalidade das camadas mais baixas.
Outra teoria apresentada por Alessandro Barata é a das subculturas criminais. Para o autor, a relação entre a teoria funcionalista e a teoria das subculturas criminais deve ser vista como uma relação de compatibilidade e não de exclusão. A primeira pretende estudar o vínculo funcional do comportamento desviante com a estrutura social, enquanto a segunda busca estudar a forma como a subcultura delinquencial se comunica aos jovens.
Sutherland, citado por Barata, critica as teorias gerais do comportamento criminoso que se baseiam em condições econômicas, psicopatológicas ou sociopatológicas. Trouxe aportes para a teoria das subculturas criminais, principalmente com a análise das formas de aprendizagem do comportamento criminoso, mencionando que tal aprendizagem depende das várias associações diferenciais que o indivíduo possui com os outros, ficando por isso sua teoria conhecida como “teoria das associações diferenciais”.
Outro autor mencionado por Barata é Cohen, segundo o qual a problemática dessas associações diferenciais e de sua qualidade proposta por Sutherland e descreve a subcultura dos bandos juvenis como um sistema de crença e valores em que a origem é apreendida de um processo de interação entre rapazes que ocupam posições semelhantes no interior da estrutura social. Para Cohen a subcultura delinquente é não-utilitária, maliciosa e negativista: não-utilitária porque nem sempre o produto do crime é usado. Maliciosa porque os membros dos grupos subculturais encontram um prazer em causar a desconformidade nas outras pessoas. Negativista porque o objetivo do cometimento do crime é a inversão total das normas e valores da cultura dominante. É uma espécie de polaridade negativa às culturas de classes médias. A última característica é o rechaço deliberado dos valores correlativos da classe dominante.
Tal subcultura exprime e justifica a hostilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social, pois esses comportamentos representam a solução de problemas de adaptação, uma vez que a incapacidade de se adaptar aos padrões da cultura oficial gera problemas de status e de autoconsideração (sensação de pertencimento negativa, comportamento revoltoso).
Enfatiza Baratta que o núcleo teórico das teorias subculturais criminais se opõe ao princípio da culpabilidade, negando o delito como expressão de atitudes contrárias aos valores e às normas sociais gerais, afirmando que existem valores e normas específicos dos diversos grupos sociais.
O autor cita que tanto a teoria funcionalista da anomia quanto a teoria das subculturas criminais contribuíram para a relativização do sistema de valores e regras sancionados pelo direito penal. Já a teoria das subculturas criminais revela que os mecanismos de aprendizagem e de interiorização e modelos de comportamento, que estão na base do comportamento criminoso, não são distintos dos mecanismos de socialização pelos quais se explica o comportamento normal, relativizando assim o peso específico da escolha individual ou da determinação da vontade.
Barata também menciona os estudiosos Sykes e Matza, cuja teoria intenta realizar uma correção das subculturas criminais através da análise das técnicas de neutralização, que seriam entendidas como “formas de racionalização do comportamento desviante que são aprendidas e utilizadas ao lado dos modelos de comportamento e valores alternativos, de modo a neutralizar a eficácia dos valores e das normas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinquente geralmente adere” (p. 77).
Para Sykes e Matza o menor se torna delinquente devido à aprendizagem destas técnicas e não tanto através da aprendizagem de imperativos morais, valores e atitudes que são opostos aos da sociedade dominante. As técnicas de neutralização seriam um sistema alternativo de princípios de valoração em relação ao sistema dominante.
Baratta afirma que as teorias das subculturas criminais se tornaram objeto de uma crítica que ataca o paradigma etiológico que as teorias “subculturais” herdaram das teorias estrutural funcionalistas, não se destacando ambas das teorias positivistas, exceto pelos instrumentos explicativos adotados, porque possui uma linha de análise, sugerindo uma posterior reflexão sobre as condições econômicas da criminalidade. Porém, ainda segundo o autor, esta teoria não avançou além do ponto em que chegaram as teorias dos fatores econômicos da criminalidade no âmbito da criminologia liberal contemporânea.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Aspectos inquisitoriais do sistema jurídico brasileiro e a difícil concretização das garantias constitucionais

FERREIRA, Marco Aurélio Gonçalves. Aspectos inquisitoriais do sistema jurídico brasileiro e a difícil concretização das garantias constitucionais.

RESENHA

Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto

O texto “Aspectos inquisitoriais do sistema jurídico brasileiro e a difícil concretização das garantias constitucionais” foi escrito por Marco Aurélio Gonçalves Ferreira, graduado em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP).
Neste trabalho o autor aborda o sistema judiciário brasileiro e as antinomias que dificultam a concretização das garantias constitucionais. Trata também da relação sujeito e objeto no Direito, das tradições jurídicas e das relações de poder-e-saber no Direito. Por fim, aborda as confluências e antinomias de tradições jurídicas no regramento nacional.
Inicialmente Ferreira aborda questões sobre o posicionamento de juristas nacionais, que segundo ele, em virtude de parâmetros seguidos para a construção jurídica consensual brasileira e, consequentemente, com uma visão etnocêntrica, buscam acomodar as antinomias encontradas no sistema jurídico brasileiro, sem visualizá-las como um elemento contraditório e incompatível ao sistema vigente. O autor afirma que o sistema jurídico constitucional brasileiro apresenta marcas de uma relação poder-e-saber, a partir de influências de países democráticos como EUA, França, Inglaterra e Alemanha, os quais serviram de medida para a construção do texto constitucional. Porém, ao mesmo tempo, é possível encontrar traços de uma tradição jurídica vigente na idade média, vinda para o Brasil através da colonização.
O autor ressalta que o Direito brasileiro é dogmático, pois leva em conta tão somente a razão, desconsiderando que a relação entre o sujeito e o objeto do direito se dá pela medição do conhecimento, e tampouco questiona tais relações, motivo pelo qual está a todo instante tentando conciliar paradigmas derivados de tradições antagônicas.
Vale mencionar que o autor apresenta o pensamento de Foucault sobre o direito germânico, direito esse que envolvia diretamente os indivíduos, sem intervenção de uma autoridade na resolução de conflitos, determinando o que seria considerado como verdade e em que o procedimento penal é apenas uma ritualização do conflito. Diferente é a noção teórica da função do direito na tradição jurídica brasileira, forjada na ideia de pacificação das pessoas.
Ferreira explicita ainda o pensamento foucaultiano quanto à forma estatal de determinar a verdade e a ideia de que a lesão a um direito individual também representa uma ofensa ao Estado.
Quanto às confluências e antinomias de tradições jurídicas, o autor explica que no Direito brasileiro, o binômio saber-e-poder se concentra nas mãos da autoridade estatal judiciárias, ratificando que, assim como na idade média, onde há saber, há poder.
Por fim, o autor considera que ignorar as estruturas de poder implícitas e as tradições jurídicas que a representam é que o discurso jurídico nacional oscila, inconsciente ou não, no sentido dessas tradições, sem visualizá-las como relações de poder-e-saber antagônicas. A força simbólica da Constituição Federal, a partir de influências de países democráticos, não se mostra capaz de superar a força da tradição jurídica contida no seu sistema infraconstitucional, por exemplo, o processo penal. Por tal razão e pela manutenção dos aspectos inquisitoriais, o autor enfatiza que as garantias constitucionais tornam-se de difícil concretização.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

MÍDIA E SEGURANÇA PÚBLICA: COMPLEXIDADES E DESAFIOS

MEDIA AND PUBLIC SECURITY - COMPLEXITIES AND CHALLENGES


Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto


This paper aims to make some reflections about the complexity and the interaction of the Public Security with the media. To achieve such purpose, Edgar Morin’s Theory of Complexity was used as basis of this research in order to understand the relations of the Public Security with the media by using of analyses of bibliographic and netnographic content as methodological resources. The qualitative, comprehensive and explanatory research sought to reflect about the nature of the relationship between media and Public Security, its complexities and challenges.

Keywords: Public Security. Media. Complexity. Interaction.


INTRODUÇÃO
            
A globalização e a mídia atualmente fazem parte do desenvolvimento de qualquer comunidade. Partindo desta perspectiva, é essencial entendermos a comunicação como um elemento basilar de qualquer sociedade, pois a mídia ocupa hoje, também no campo da segurança pública, um papel fundamental na conjuntura contemporânea da sociedade brasileira, pois tem sido protagonista de serviços de informação, contribuindo muitas vezes positiva ou negativamente na complexa formação da opinião social.
O confronto da polícia com a criminalidade, da forma exposta pela mídia, já se encontra hoje de tal forma impregnada no coletivo inconsciente, que se pode afirmar, sem chance de erro, que o fenômeno atravessa todas as classes e níveis culturais, povos e civilizações, e as informações decorrentes deste embate se consagraram como bem de consumo essencial, disponível gratuitamente a todos em milhares de noticiosos televisivos, através da mídia impressa e virtual e todas as demais formas pagas e gratuitas de divulgação, mais nos impressionando por sua constante atualização, pois atualmente as ocorrências policiais são noticiadas de forma instantânea.
Este contexto é, pois, sem dúvida, um terreno fértil para a realização de um trabalho proativo da imprensa, em parceria com as forças responsáveis pela manutenção da Ordem Pública, de forma a erradicar esta realidade perversa. Mas não é isso que de fato ocorre.
Justamente nesse campo é que se situa essa análise, pois a informação difundida através da mídia, que despeja um discurso midiático indutor da crença à inoperância dos dispositivos de segurança pública e afasta-se do seu papel social que é garantir informação, acaba seguindo outro viés, gerando sensação de insegurança; e a atividade policial acaba sendo cada vez mais analisada de modo simplista e taxada de ineficaz, de maneira que o confronto da polícia com a criminalidade descamba em novo confronto: mídia e segurança pública.
Este trabalho foi, portanto, concebido com o intuito de tecer reflexões sobre essa complexidade e a interação da Segurança Pública com a mídia no Brasil e ainda discutir os desafios da segurança pública de reverter, na complexidade midiática, o descredenciamento das instituições de segurança. Para isso, utilizou-se como aporte metodológico a Teoria da Complexidade de Edgar Morin para analisar e compreender a interação dessas instituições. Para complementar, o presente trabalho também se valeu dos resultados das pesquisas empreendidas por Silva (2012) e Ramos e Paiva (2007), através da análise de conteúdo bibliográfico e netnográfico, com pesquisa de natureza qualitativa, compreensiva e explicativa, buscando refletir a natureza das relações entre mídia e segurança pública, suas complexidades e desafios.

COMPLEXIDADES E DESAFIOS

Conforme observa Fraga (2001), o ato violento não está limitado a quem o sofre, pois se estende e afeta quem o pratica, bem como quem lhe vê os resultados. Isso nos remete ao princípio hologramático da teoria da complexidade. A informação, difundida e obtida através da mídia, não tem gerado segurança ou trazido a prevenção ao fenômeno da criminalidade. A atividade policial, mantenedora da ordem pública e da paz social é cada vez mais analisada não em seus múltiplos meandros e enfoques, mas simplificada em seu confronto com a criminalidade, ao casuísmo do cotidiano policial, numa postura maniqueísta, manifestada passivamente pelo indivíduo anônimo, que se sente como alvo potencial de delinquentes empenhados em transgredir a lei.
Assim como outras áreas que envolvem as relações humanas, a mídia aqui será tratada com a importância que lhe é peculiar. Será analisada não apenas como veículo de informação, mas com a vontade de ter nessa ação comunicativa um saber necessário a ações não repetitivas que podem alienar ou escravizar aqueles que a reproduzem ou aqueles que sofrem as suas influências quando as recebem. Assim, nosso objetivo é entender o jornalismo como uma ciência alicerçada na sua complexidade, numa ética social que lhe dá a possibilidade não de escravizar e ou alienar, mas que leve o leitor à episteme do jornalismo que liberta e constrói a dicotomia de informar e formar opinião do público ouvinte.
Entendendo a epistemologia como o estudo do conhecimento, da teoria das ciências, e da validação do saber científico, não se concebe o jornalismo na sua complexidade como algo pobre, superficial e condenado à mediocridade de quem o pratica e que o afasta desse conceito epistemológico. A notícia por sua vez é produto dos acontecimentos sociais e do pensamento humano, portanto fruto de uma praxe complexa e que segue a ideologia dominante. Conforme se observa, “Toda vida, cada vida, a vida de toda a sociedade só pode ser multidimensional. Não de maneira harmoniosa, complementar e realizada, mas no conflito, no dilaceramento, na contradição” (MORIN, 1986: 123).
“Se a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a enfrentar, por sua vez o pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda a revelá-lo, e às vezes mesmo a superá-lo” (MORIN, 2006: 8). Assim, o jornalismo deveria ser palco de inovações e obrigações de responsabilidade sociocultural capazes de promover, na técnica, verdadeira transformação na sociedade contemporânea, que se orienta na fluidez infinita das informações veiculadas. Contrariamente, a maioria dos jornalistas tem uma tendência à superficialidade, a serem limitados pela ideologia dominante e, portanto, condenados a uma prática direcionada à mediocridade do sensacionalismo de mercado, de maneira que o que hoje ocorre é uma prática desenfreada de transmissão e que muitas vezes foge do seu real objetivo, que é o da informação compromissada com a imparcialidade e com a verdade e não voltada para a espetacularização, transformando a violência em moeda política, servindo mesmo para garantir notoriedade, espaços no campo mediático, fontes de recursos econômicos e de poder.
A partir daí, surgem vários questionamentos quanto à postura da imprensa diante do impacto social da matéria a ser divulgada e o modo como será divulgada. Uma pesquisa realizada por Ramos e Paiva (2007) mostrou que os grandes jornais do país dedicam um espaço bastante expressivo para divulgação de matérias relacionadas à polícia, violência e criminalidade, ou seja, esse tema é pauta diária e com um grau de relevância altíssimo nos periódicos brasileiros de grande circulação. No entanto, o problema não está aí. A preocupação surge quando a mídia gera ou acentua a sensação de insegurança e violência na sociedade através de notícias sensacionalistas e tendenciosas, que beiram o espetáculo.
            A imprensa, por sua essência, é formadora de opinião e responsável por comportamentos e tendências sociais. Assim, ao noticiar matérias sobre violência e criminalidade, deve fazê-lo com compromisso de informar a verdade dos fatos, permitindo que o leitor faça sua própria análise. Porém, quando se trata de segurança pública, violência e criminalidade, o que se observa é a veiculação exacerbada de notícias fortemente carregadas de emoção, que direciona a opinião de quem as recebe. Na visão de Souza (2005), a mídia, ao divulgar, espetacularizar, sensacionalizar e banalizar os atos de violência está amplificando a linguagem da violência e instituindo a cultura do medo. Dessa forma, a eficiência e a eficácia da polícia no combate à violência tem sido medida pela sociedade a partir no cenário mostrado pela mídia, já carregado de impressões e ideologias tendenciosas do canal que o divulga.
Nesse sentido, Silva (2012), em sua pesquisa sobre as relações da Segurança Pública e da mídia com a sociedade, apresenta questionamentos acerca de uma manipulação e direcionamento feito pela mídia através da veiculação das notícias ou se é a própria sociedade que chega às suas conclusões baseada nas suas experiências de medo e insegurança. Assim, a autora conclui que é necessário fazer uma distinção dentre o que a mídia veicula [produção] e o que depois de veiculado circula pela sociedade [recepção], e que retorna em forma de um terceiro sistema, o de “resposta”.
Entende-se, assim, que esse retorno abrange não só o que foi veiculado e o que foi percebido pela sociedade, mas as diversas conclusões geradas sobre a violência e a Segurança Pública, determinadas conforme as vivências e a cultura das comunidades.
 Não se pode desconsiderar, portanto, que uma notícia mal transmitida, carregada de sensacionalismo, leva a uma distorção do “real” e ao descrédito das instituições de Segurança Pública.  Por outro lado, é na mídia que a sociedade encontra uma forma de defesa de seus direitos, à medida que a exploração das notícias de criminalidade, além de mostrar os equívocos das políticas de Segurança Pública, pode mobilizar as autoridades, impulsionando uma necessidade de mudança e aprimoramento institucional.

Assim, fica claro que transformações na sociedade e cultura trazem impactos em diversos campos e disso resulta um incremento de complexidade nas relações entre a instituição Segurança Pública, especialmente organizações policiais, e a mídia, causando conflitos que, conforme o contexto, podem ser considerados como negativos ou como indicativos de necessidade de mudança, aperfeiçoamento e desenvolvimento, exigindo uma maneira construtiva de lidar com novas formas de comunicação. (SILVA, N.N., 2012, p. 17)


Hoje, para ser eficaz, a polícia tem de atuar de forma legal, dentro das normas do estado de direito, e ainda conquistar legitimidade, legitimidade esta ratificada pela opinião pública tendo a imprensa como aliada nesse processo.
Para Fraga (2001) o jornalista deve, portanto, cercar-se de uma noção de equilíbrio, devendo informar o real, mas sem sensacionalizar essa realidade; deve sim operar um trabalho proativo de imprensa, de forma a erradicar esses desvios, pois hoje a mídia é reconhecida como fundamental na implantação e no sucesso de políticas públicas, incluindo as de segurança, de modo que é salutar buscar essa sintonia entre mídia e segurança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do poder inquestionável que a mídia exerce sobre a vida das pessoas, o grande desafio do Estado é agregar a força da sociedade com todas as suas formas de representação, a partir de seu envolvimento com as ações de prevenção e repressão à violência e à criminalidade. É importante desconstruir a ideia banalizada de violência e de criminalidade, exposta através da mídia sensacionalista, cuja atitude pode ser definida também como uma forma de violência, ou seja, uma violação do direito à privacidade e à dignidade humana.
Em oportuna reflexão, Silva (2012) ensina que se não se consegue mudar os valores que orientam o olhar da mídia sobre os setores populares dificilmente se conseguirá avançar em direção a uma cobertura mais equilibrada. O autor ainda observa que é inegável o peso e a importância da mídia na formação de consciência e de opinião do cidadão, além da sua função precípua de informar, entreter e divulgar.
A partir desta perspectiva, é possível afirmar que a mídia pode fazer de sua atividade algo mais conscientizador, sensibilizador aos gestores públicos e ao público em geral, transcendendo para um jornalismo mais interpretativo do que meramente comercial e apelativo, afinal jornalismo, assim como a segurança pública, é prestação de serviço, sendo compensadora a reflexão sobre o relacionamento entre a Polícia Militar com a imprensa na promoção da paz social. 

RESUMO

Este paper objetiva fazer reflexões sobre a complexidade e a interação da Segurança Pública com a mídia. Para isso, partiu-se da Teoria da Complexidade de Edgar Morin para entender tais relações. Utilizou-se a análise de conteúdo bibliográfico e netnográfico como recurso metodológico. A pesquisa, de natureza qualitativa, compreensiva e explicativa, buscou pensar a natureza das relações entre mídia e segurança pública, suas complexidades e desafios.

Palavras-chave: Mídia. Segurança Pública. Complexidades. Interação.

REFERÊNCIAS

FRAGA, Luis Alves de. Reflexões sobre o mundo actual: problemas sociais contemporâneos. Porto: Campo das letras, 2001.

MORIN, Edgar. Para sair do Século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

____________. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.

RAMOS, Silvia e PAIVA, Anabela. Mídia e violência: novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil. IUPERJ, 2007, Rio de Janeiro.

SILVA, N. N. Segurança Pública, Mídia e Sociedade: Complexidade e Interação. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p.4-24, jan./dez. 2012.

SILVA, José Maria da e SILVEIRA, Emerson Sena da. Apresentação de trabalhos acadêmicos: normas e técnicas. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

SOUZA, Robson Sávio Reis. Mídia e violência: o papel da imprensa na segurança pública. em 07/11/2005 na edição 354. Artigo disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o-papel-da-imprensa-na-seguranca-publica. Acesso em 04.06.2014.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Políticas Públicas de Manutenção da Ordem Pública

SAPORI, Luís Flávio. Políticas Públicas de Manutenção da Ordem Pública. In: Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. P. 69-93.

RESENHA

Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto


O texto “POLÍTICAS PÚBLICAS DE MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA” é o terceiro capítulo do livro “Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas”, publicado pela Editora FGV, em 2007. O autor é Luís Flávio Sapori, doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ (2006). Atualmente Sapori é professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública (CEPESP) da PUC Minas. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Crime e da Violência. Atua principalmente nos temas de justiça criminal, polícia, organizações, violência policial e violência.
Neste trabalho o autor aborda o fenômeno da deterioração da ordem pública nas cidades e a ineficácia das políticas de segurança pública no combate à criminalidade. Trata também dos conceitos de políticas públicas e sua relação com a provisão dos serviços de educação, saúde, habitação e emprego como fatores capazes de reduzir a criminalidade e afirma ainda ser possível implementar ações governamentais mais eficientes no controle da violência, em parcerias público-privadas, tendo como base o conceito de responsabilidade social não só como um atributo exclusivo do Estado, mas de todos, incluindo Estado, o mercado, o setores privados e a sociedade civil organizada.
Especificamente no capítulo estudado, Sapori analisa os condicionantes institucionais das atividades do Estado pela manutenção da ordem pública. Tais condicionantes estão relacionados, segundo ele, à dificuldade de viabilizar uma política pública coerente e que seja capaz de integrar as diversas organizações do sistema de justiça criminal. O autor afirma que a manutenção da ordem pública envolve necessariamente o exercício da governança, cujo conceito ele apresenta como sendo o gerenciamento de redes ou a coordenação interorganizacional, visando à interação mútua dos integrantes do sistema de justiça criminal.
Embora Sapori considere o governo apenas como um dos atores que influenciam o curso dos eventos na rede social, não podendo exercer seus desejos e vontades, destaca que a governança contribui para a implementação de políticas públicas em setores diversos. Assim, ele tem como uma de suas hipóteses que a ação do Estado, do sistema de justiça criminal é capaz de impactar em alguma medida a incidência de criminalidade, a partir de uma conjugação de esforços da polícia, da justiça e das prisões.
O autor chama atenção para o poder de veto sobre algumas instituições, que dificulta a ação estatal na área de segurança pública, pois à medida que isso ocorre pode invalidar ou desqualificar as ações da polícia, ao referendar ou não a autoria e materialidade de um possível crime. Afirma que a competência governamental para promover a ordem pública, com eficácia e eficiência fica comprometida, mas não inviabilizada. Porém, enfatiza que não existe consenso quanto à eficiência e à eficácia do sistema de justiça criminal na redução da criminalidade.
Vista a situação por esse prisma, fica evidente que isso leva a um “dissenso cognitivo entre os decision makers”, que reflete nas políticas públicas nesta área. Cita como exemplo a “controvérsia” em torno da política de tolerância zero de Rudolph Giuliani em nova York, na década de noventa. De um lado apresentou reduções de 50% nos índices de homicídio, “passando a se constituir num paradigma de política pública bem sucedida de redução da criminalidade”, inclusive exportado para diversos países. Entretanto, estudos apontaram que a redução foi observada em todas as grandes cidades americanas no mesmo período. Além disso, recebeu muitas críticas quanto à atuação voltada para setores empobrecidos da população norte-americana, como negros e latinos, sendo encarada como uma ferramenta de opressão das camadas mais pobres, desconsiderando os fatores econômicos. Afirma então que este debate delineia uma dicotomia entre políticas preventivas e políticas repressivas, ou entre políticas distributivas e políticas retributivas.
Há que se observar, contudo, que as políticas de segurança pública norte-americanas foram baseadas, até meados da década de 1970, pelo relatório da Comissão do Presidente sobre aplicação da lei e administração da justiça, que apontava que o crime era causado essencialmente pela desorganização social. A partir de então, com a ascensão dos conservadores ao poder, houve uma guinada nas diretrizes de segurança pública, que teve continuidade nos governos subsequentes, inclusive democratas. Com essas mudanças os investimentos se deram nas polícias, no ministério público e na legislação penal. Assim, do início da década de 1980 até início do novo milênio, a população carcerária triplicou. Na guerra contra as drogas os investimentos foram feitos na repressão, tratamento e campanhas educacionais. No âmbito acadêmico foram realizadas pesquisas a partir de experiências empíricas para saber se prevenção ou repressão apresentava maior grau de eficiência. Trabalho de pesquisadores coordenado por Lawrence Sherman demonstrou que não é possível afirmar que as estratégias preventivas de controle da criminalidade sejam mais eficientes que as repressivas, ou vice-versa.
Vale ressaltar também que o autor debate que a divergência entre políticas de repressão e políticas de prevenção acabam prejudicando a eficácia e a eficiência das ações governamentais de segurança pública. De um lado, têm-se as ações repressivas; de outro, as preventivas. Tal polarização acaba reforçando uma disputa desnecessária, impedindo a busca da articulação e da complementaridade. Ao tratar ações repressivas e preventivas como elementos opostos e excludentes, diminui-se a capacidade do Estado de prover a ordem pública efetivamente. Segundo o autor, o que tem prevalecido é uma atuação segmentada do poder público, priorizando uma ou outra ação, e raramente se vê simultaneamente ações repressivas e preventivas.
Além de Nova York, Sapori trata ainda da problemática de Bogotá, onde foi posta em ação, no período de 1994 a 2002, uma política de prioridade à segurança pública, ao longo de três gestões políticas, com políticas de capacitação, prevenção e repressão, e o mais importante, a continuidade à política de segurança desenvolvida, demonstrando assim o interesse do Estado como um todo em desenvolver ações concretas para o controle da criminalidade, com a interação da polícia e sociedade e participação comunitária na política de segurança.
Tais ações combinaram estratégias diversas pertinentes à prevenção e à repressão social. Essas estratégias diziam respeito ao fortalecimento do organismo policial em todos os níveis, como exemplo a capacitação através de cursos voltados para a área dos direitos humanos e de polícia comunitária, bem como a reestruturação da logística com aquisição de viaturas e equipamentos para o combate ao crime. Além das medidas de caráter humano, foram feitos fortes investimentos na ampliação e estruturação do sistema prisional, maior controle do consumo de bebidas alcoólicas e do porte ilegal de armas de fogo, essas duas últimas entendidas como fatores de risco.
Não se pode negar que os investimentos e medidas adotadas deram resultados satisfatórios, pois foi uma resposta imediata à proteção à vida da população carente por harmonia social à época.

De todo modo, em qualquer dos casos aqui analisados, embora não se possa mensurar quais medidas ou ações (preventivas ou repressivas) se devam adotar para maior êxito no combate à violência, a verdade que, tenham sido em caráter preventivo ou repressivo, ambas foram de fundamental importância para os resultados obtidos, ou seja, nada mais do que a persecução do objetivo primordial: a manutenção da ordem pública.