terça-feira, 3 de junho de 2014

Políticas Públicas de Manutenção da Ordem Pública

SAPORI, Luís Flávio. Políticas Públicas de Manutenção da Ordem Pública. In: Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. P. 69-93.

RESENHA

Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto


O texto “POLÍTICAS PÚBLICAS DE MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA” é o terceiro capítulo do livro “Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas”, publicado pela Editora FGV, em 2007. O autor é Luís Flávio Sapori, doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ (2006). Atualmente Sapori é professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública (CEPESP) da PUC Minas. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Crime e da Violência. Atua principalmente nos temas de justiça criminal, polícia, organizações, violência policial e violência.
Neste trabalho o autor aborda o fenômeno da deterioração da ordem pública nas cidades e a ineficácia das políticas de segurança pública no combate à criminalidade. Trata também dos conceitos de políticas públicas e sua relação com a provisão dos serviços de educação, saúde, habitação e emprego como fatores capazes de reduzir a criminalidade e afirma ainda ser possível implementar ações governamentais mais eficientes no controle da violência, em parcerias público-privadas, tendo como base o conceito de responsabilidade social não só como um atributo exclusivo do Estado, mas de todos, incluindo Estado, o mercado, o setores privados e a sociedade civil organizada.
Especificamente no capítulo estudado, Sapori analisa os condicionantes institucionais das atividades do Estado pela manutenção da ordem pública. Tais condicionantes estão relacionados, segundo ele, à dificuldade de viabilizar uma política pública coerente e que seja capaz de integrar as diversas organizações do sistema de justiça criminal. O autor afirma que a manutenção da ordem pública envolve necessariamente o exercício da governança, cujo conceito ele apresenta como sendo o gerenciamento de redes ou a coordenação interorganizacional, visando à interação mútua dos integrantes do sistema de justiça criminal.
Embora Sapori considere o governo apenas como um dos atores que influenciam o curso dos eventos na rede social, não podendo exercer seus desejos e vontades, destaca que a governança contribui para a implementação de políticas públicas em setores diversos. Assim, ele tem como uma de suas hipóteses que a ação do Estado, do sistema de justiça criminal é capaz de impactar em alguma medida a incidência de criminalidade, a partir de uma conjugação de esforços da polícia, da justiça e das prisões.
O autor chama atenção para o poder de veto sobre algumas instituições, que dificulta a ação estatal na área de segurança pública, pois à medida que isso ocorre pode invalidar ou desqualificar as ações da polícia, ao referendar ou não a autoria e materialidade de um possível crime. Afirma que a competência governamental para promover a ordem pública, com eficácia e eficiência fica comprometida, mas não inviabilizada. Porém, enfatiza que não existe consenso quanto à eficiência e à eficácia do sistema de justiça criminal na redução da criminalidade.
Vista a situação por esse prisma, fica evidente que isso leva a um “dissenso cognitivo entre os decision makers”, que reflete nas políticas públicas nesta área. Cita como exemplo a “controvérsia” em torno da política de tolerância zero de Rudolph Giuliani em nova York, na década de noventa. De um lado apresentou reduções de 50% nos índices de homicídio, “passando a se constituir num paradigma de política pública bem sucedida de redução da criminalidade”, inclusive exportado para diversos países. Entretanto, estudos apontaram que a redução foi observada em todas as grandes cidades americanas no mesmo período. Além disso, recebeu muitas críticas quanto à atuação voltada para setores empobrecidos da população norte-americana, como negros e latinos, sendo encarada como uma ferramenta de opressão das camadas mais pobres, desconsiderando os fatores econômicos. Afirma então que este debate delineia uma dicotomia entre políticas preventivas e políticas repressivas, ou entre políticas distributivas e políticas retributivas.
Há que se observar, contudo, que as políticas de segurança pública norte-americanas foram baseadas, até meados da década de 1970, pelo relatório da Comissão do Presidente sobre aplicação da lei e administração da justiça, que apontava que o crime era causado essencialmente pela desorganização social. A partir de então, com a ascensão dos conservadores ao poder, houve uma guinada nas diretrizes de segurança pública, que teve continuidade nos governos subsequentes, inclusive democratas. Com essas mudanças os investimentos se deram nas polícias, no ministério público e na legislação penal. Assim, do início da década de 1980 até início do novo milênio, a população carcerária triplicou. Na guerra contra as drogas os investimentos foram feitos na repressão, tratamento e campanhas educacionais. No âmbito acadêmico foram realizadas pesquisas a partir de experiências empíricas para saber se prevenção ou repressão apresentava maior grau de eficiência. Trabalho de pesquisadores coordenado por Lawrence Sherman demonstrou que não é possível afirmar que as estratégias preventivas de controle da criminalidade sejam mais eficientes que as repressivas, ou vice-versa.
Vale ressaltar também que o autor debate que a divergência entre políticas de repressão e políticas de prevenção acabam prejudicando a eficácia e a eficiência das ações governamentais de segurança pública. De um lado, têm-se as ações repressivas; de outro, as preventivas. Tal polarização acaba reforçando uma disputa desnecessária, impedindo a busca da articulação e da complementaridade. Ao tratar ações repressivas e preventivas como elementos opostos e excludentes, diminui-se a capacidade do Estado de prover a ordem pública efetivamente. Segundo o autor, o que tem prevalecido é uma atuação segmentada do poder público, priorizando uma ou outra ação, e raramente se vê simultaneamente ações repressivas e preventivas.
Além de Nova York, Sapori trata ainda da problemática de Bogotá, onde foi posta em ação, no período de 1994 a 2002, uma política de prioridade à segurança pública, ao longo de três gestões políticas, com políticas de capacitação, prevenção e repressão, e o mais importante, a continuidade à política de segurança desenvolvida, demonstrando assim o interesse do Estado como um todo em desenvolver ações concretas para o controle da criminalidade, com a interação da polícia e sociedade e participação comunitária na política de segurança.
Tais ações combinaram estratégias diversas pertinentes à prevenção e à repressão social. Essas estratégias diziam respeito ao fortalecimento do organismo policial em todos os níveis, como exemplo a capacitação através de cursos voltados para a área dos direitos humanos e de polícia comunitária, bem como a reestruturação da logística com aquisição de viaturas e equipamentos para o combate ao crime. Além das medidas de caráter humano, foram feitos fortes investimentos na ampliação e estruturação do sistema prisional, maior controle do consumo de bebidas alcoólicas e do porte ilegal de armas de fogo, essas duas últimas entendidas como fatores de risco.
Não se pode negar que os investimentos e medidas adotadas deram resultados satisfatórios, pois foi uma resposta imediata à proteção à vida da população carente por harmonia social à época.

De todo modo, em qualquer dos casos aqui analisados, embora não se possa mensurar quais medidas ou ações (preventivas ou repressivas) se devam adotar para maior êxito no combate à violência, a verdade que, tenham sido em caráter preventivo ou repressivo, ambas foram de fundamental importância para os resultados obtidos, ou seja, nada mais do que a persecução do objetivo primordial: a manutenção da ordem pública.

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