Por Marina Silva*
O povo brasileiro
vê mais um escândalo de corrupção e já não sabe o que sente, se indignação ou
fastio. Muitos já não tem esperanças de que esse triste e repetitivo espetáculo
um dia termine.
Desta vez, as
informações divulgadas - a famosa pontinha do iceberg - nos dão uma visão
estarrecedora: algumas das instituições mais importantes do país e até partes
da sociedade estão permeadas por relações ilegais, dinheiro ilícito, tráfico de
influência e até sequestro e extorsão.
Nos comentários,
aqui e ali despontam expressões como "máfia" e "Cosa
Nostra", representando um poder criminoso oculto incrustado em parte da
própria estrutura do Estado e da sociedade.
É como se as
estantes da sala ostentassem livros e objetos de fina arte intactos apenas em
sua aparência, mas corroídos, desde as paredes, por traças e cupins. O
Congresso, ministérios, governos estaduais, tribunais, polícia, empresas e até
parte da imprensa dão sinais de infiltração e contaminação.
A democracia
brasileira, que custou tanto esforço e sacrifício, é usada pelos operadores de
tais esquemas como verniz para manter as aparências. E o mais preocupante é que
o próprio processo de descoberta, investigação e punição do crime parece destinado
a administrar o mal em vez de erradicá-lo.
A Comissão
Parlamentar de Inquérito sobe ao palco para representar uma disputa política
que, num ano eleitoral, estende-se pelas metrópoles e pelo interior levantando
novas vestais e derrubando novos vilões, mas tudo rápido e passageiro, pois os
grandes partidos - da situação e da oposição - estão envolvidos e, no próximo
ano ou na próxima eleição, teremos outra montagem.
Velhos atores
paramentam-se para novos papéis, trocam de lugar - acusadores passam a ser
acusados - e acrescentam mais uma peça a seus currículos. Uma ópera-bufa, uma
comédia de terror.
Não podemos perder
as esperanças de que tudo isso resulte em avanços e aperfeiçoamento dos
processos, de que as instituições corrijam e, sobretudo, previnam os sistemas
de corrupção. Mas isso só será possível se pararmos de tratar a corrupção como
se fosse um problema do governo que está de plantão, e passarmos a tratá-la
como um problema a ser determinadamente enfrentado por todos os cidadãos e
cidadãs de nossa nação.
Foi assim que
reconquistamos nossa democracia e, em que pese aos muitos aprendizes de
feiticeiro, estabilizamos nossa economia, bem como diminuímos os índices
inaceitáveis de pobreza, que por si só constituíam a maior denúncia do modelo
concentrador e excludente de nossa economia.
É essa força da
sociedade que nos livra de criarmos uma geração inteira sob o signo da
conivência e da acomodação.
*Marina
Silva, acriana, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo
lula e candidata ao Planalto em 2010.
Texto
publicado em 10.05.12 no site:
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