O velho discurso de que aprender outra língua abre portas no mercado profissional nunca esteve tão em voga. Então, muitas pessoas passam horas de suas vidas dedicando-se a esse estudo e se surpreendem não só com a descoberta de uma língua nova, mas também de outro mundo que, na maioria das vezes, é completamente diferente do nosso, com outros costumes, modos de ver as coisas, expressões, comida e idéias. E mesmo um melhor conhecimento da nossa língua materna nos é trazido ao estudar a língua de outro povo.
“Aprender uma língua estrangeira é abrir mão da nossa própria língua”. Disse uma vez um aluno meu de francês, professor de filosofia na nossa Universidade Federal. O que é a mais pura verdade. Devemos nos desapegar da nossa idéia lingüística de mundo para entender a do outro.
Bem, de todos os cursos oferecidos, seja numa escola de línguas, seja na internet, seja na universidade, formam-se pessoas com várias habilidades em Letras. Mas, poucos são os que poderiam seguir a profissão de tradutor ou intérprete. O tradutor faz a tradução escrita de um idioma estrangeiro para o português ou a versão, que é levar um texto do português para um idioma estrangeiro; ou a versão de idiomas estrangeiros entre si, no caso dos poliglotas. O intérprete é aquele que traduz o que se é falado numa conversa, numa conferência, reunião etc. Para tanto, é necessário conhecer bem um idioma e suas nuances, um trabalho difícil e cansativo, que exige atenção e cuidado, já que naquele momento se está trabalhando no campo da diplomacia. Uma tradução malfeita ou algo dito de maneira errada pode comprometer o trabalho que se está desenvolvendo. Assim como um trabalho bem feito rende muitos benefícios como aquisição de novas tecnologias, conhecimento e inclusive de milhões em dinheiro.
Porém, tenho observado a desvalorização de quem se propõe a fazer esse trabalho. Diria até a total desvalorização na maioria dos casos. Empresas e órgãos públicos em geral não aceitam pagar o preço que é devido para quem é tradutor/intérprete, ou por desconhecimento do que ele seja ou porque não valorizam o profissional local. Num último pedido de orçamento para tal trabalho, a proposta do intérprete simplesmente foi ignorada, não havendo sequer uma resposta em agradecimento à disponibilidade do profissional; em outro caso, nas entrelinhas estava dito que queriam que a tradutora fizesse o trabalho de revisão de um texto de graça. E há, por vezes, o velho discurso da falta de orçamento. O que muito me espanta ainda é que instituições tão renomadas e que recebem orientações de lugares mais desenvolvidos nesse quesito (tradução/interpretação) não tenham recursos para pagar alguém nesse sentido.
Aqui em Rio Branco, lugar onde efetivamente não há concorrência como nos grandes centros, se cobra um preço bem abaixo daquilo que agências de tradução pagam, por exemplo, por apenas seis horas de trabalho por dia, dada a exaustão a que é levado o intérprete numa situação dessas. Mesmo assim negam-se a valorizar esse profissional. Não consideram que ser tradutor ou intérprete é uma habilidade de poucos, é algo vocacional. Nem todos que trabalham com língua estrangeira querem ou sabem exercer essa atividade onde a atenção e habilidade com outro e com seu idioma é essencial. Não consideram os anos e as horas que passamos debruçados sobre os livros e o dinheiro que se gastou para adquirir aquele conhecimento. Simplesmente, desvalorizam esse profissional e basta. Preferem contratar outros sem experiência ou formação alguma pelo fato de pagarem menos. O que lhes garante, sem sobra de dúvida, um trabalho malfeito.
E, infelizmente, isso não se aplica só ao profissional da tradução/interpretação, mas a muitos outros também. Há muitos por aí cujo currículo não é valorizado como deveria, mesmo fazendo trabalhos delicados como o que se faz com língua estrangeira. Parece que aqui no Acre o velho discurso de que saber uma língua estrangeira abre portas no mercado profissional não se aplica ao próprio profissional de língua estrangeira.
Texto: Elenckey Spielberg
Tradutor/Intérprete, Professor de idiomas, Escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário