sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Boca do Inferno



Gregório de Matos e Guerra nasceu em Salvador, Bahia, em 23 de dezembro de 1636, e faleceu em 26 de novembro de 1695, no Recife. De família abastada, estudou primeiramente com os jesuítas em sua cidade natal, e em 1650 mudou-se para a metrópole e formou-se em Direito no ano de 1681, em Coimbra. Lá viveu, casou e foi magistrado até seu retorno à pátria após a viuvez.
De volta à Bahia, levou uma vida boêmia e indisciplinada de advogado de poucas causas e menos recursos, improvisando versos e caçoando de toda a gente na época do Brasil Colônia. De fato era um crítico ferrenho daquela época, criticava tudo e a todos, e sua alcunha de Boca do Inferno lhe foi dada por sua ousadia em criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras.
É hoje considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período colonial. Contudo, a obra poética de Gregório de Matos torna difícil o trabalho de quem queira lhe atribuir um perfil. Isso porque é muito difícil dizer exatamente o que ele escreveu, pois de sua obra pouco restou, e menos ainda se sabe sobre o que teria sido perdido. A propósito, o próprio poeta foi culpado por isso, por não se ter preocupado em guardar e organizar o que escrevia, a ponto de ter morrido inédito. O que se sabe apenas é que, como já dito, criticou tudo e a todos, desde a incapacidade administrativa dos portugueses e brasileiros bajuladores (ainda bem que hoje em dia isso não existe mais! RS!), até a Igreja e o relaxamento dos costumes da sociedade da época.
Ainda assim, apesar do pouco que restou, o conjunto de seus escritos nos fornece um vasto painel da sociedade do seu tempo, graças a seu tino especial e perspicaz de observar costumes e tradições típicas da cultura em que vivia.
Apesar de ser classificado também com poeta lírico e religioso, porque expressava em sua obra as contradições vividas pelo homem do barroco, ficou mais conhecido por sua produção satírica.
Conta a história que, certa vez, o Conde de Ericeira, Dom Luís de Meneses, pediu a Gregório de Matos que compusesse um soneto em seu louvor. O poeta não achava nada nele que pudesse ser louvado – já que o tal Conde era, como diria Machado de Assis, “mal composto de feições” –, mas para não causar o constrangimento de ter que falar da feiura do conde e, portanto, desagradá-lo, pariu a pérola abaixo e, com isso, talvez tenha dito muito mais do que se tivesse falado a verdade.

Um soneto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira.
Já lá vão duas, e esta é a terceira;
Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo;
A sexta vá também desta maneira;
Na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?
Direi que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei;
Se desta agora escapo, nunca mais.
Louvado seja Deus, que o acabei.

O fato é que a habilidade de Gregório de Matos lhe permitiu compor um soneto sem se comprometer com elogios falsos. Usou apenas a forma clássica do soneto, esvaziando-lhe o conteúdo. Esse é apenas um exemplo da engenhosidade do poeta e de sua verve satírica.
Agora, eu cá pensei comigo: se déssemos um pé na bunda das hipócritas convenções sociais que nos amarram hoje em dia, talvez eu pudesse, à maneira irreverente de Gregório de Matos, o Boca do Inferno, ditar um soneto a alguns que me rodeiam, mas não dizendo de sua beleza ou falta dela, mas a respeito de seu caráter ou falta dele.
Por hoje, that’s all, folks!


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