sexta-feira, 11 de maio de 2012

DEMOCRACIA E CORRUPÇÃO



Por Marina Silva*


                O povo brasileiro vê mais um escândalo de corrupção e já não sabe o que sente, se indignação ou fastio. Muitos já não tem esperanças de que esse triste e repetitivo espetáculo um dia termine.
                Desta vez, as informações divulgadas - a famosa pontinha do iceberg - nos dão uma visão estarrecedora: algumas das instituições mais importantes do país e até partes da sociedade estão permeadas por relações ilegais, dinheiro ilícito, tráfico de influência e até sequestro e extorsão.
            Nos comentários, aqui e ali despontam expressões como "máfia" e "Cosa Nostra", representando um poder criminoso oculto incrustado em parte da própria estrutura do Estado e da sociedade.
           É como se as estantes da sala ostentassem livros e objetos de fina arte intactos apenas em sua aparência, mas corroídos, desde as paredes, por traças e cupins. O Congresso, ministérios, governos estaduais, tribunais, polícia, empresas e até parte da imprensa dão sinais de infiltração e contaminação.
          A democracia brasileira, que custou tanto esforço e sacrifício, é usada pelos operadores de tais esquemas como verniz para manter as aparências. E o mais preocupante é que o próprio processo de descoberta, investigação e punição do crime parece destinado a administrar o mal em vez de erradicá-lo.
                A Comissão Parlamentar de Inquérito sobe ao palco para representar uma disputa política que, num ano eleitoral, estende-se pelas metrópoles e pelo interior levantando novas vestais e derrubando novos vilões, mas tudo rápido e passageiro, pois os grandes partidos - da situação e da oposição - estão envolvidos e, no próximo ano ou na próxima eleição, teremos outra montagem.
           Velhos atores paramentam-se para novos papéis, trocam de lugar - acusadores passam a ser acusados - e acrescentam mais uma peça a seus currículos. Uma ópera-bufa, uma comédia de terror.
        Não podemos perder as esperanças de que tudo isso resulte em avanços e aperfeiçoamento dos processos, de que as instituições corrijam e, sobretudo, previnam os sistemas de corrupção. Mas isso só será possível se pararmos de tratar a corrupção como se fosse um problema do governo que está de plantão, e passarmos a tratá-la como um problema a ser determinadamente enfrentado por todos os cidadãos e cidadãs de nossa nação.
         Foi assim que reconquistamos nossa democracia e, em que pese aos muitos aprendizes de feiticeiro, estabilizamos nossa economia, bem como diminuímos os índices inaceitáveis de pobreza, que por si só constituíam a maior denúncia do modelo concentrador e excludente de nossa economia.
               É essa força da sociedade que nos livra de criarmos uma geração inteira sob o signo da conivência e da acomodação.


*Marina Silva, acriana, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no governo lula e candidata ao Planalto em 2010.

Texto publicado em 10.05.12 no site:



domingo, 6 de maio de 2012

Aqui mora gente! Consertam-se políticos! Nada se paga pra sonhar!



“O mito de que o brasileiro é ‘criativo por natureza’ é apenas isso, um mito. Em essência, o perfil autocrático da sociedade brasileira, que desestimula a iniciativa das pessoas, faz com que o brasileiro, de modo geral, tenha pouca criatividade”. A afirmação é do consultor Paulo Benetti, da empresa Inteligência Natural, que falou dos paradoxos da criatividade no CONARH 2009 - 35° Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas, promovido pela ABRH-Nacional.
Segundo Benetti, as relações sociais no Brasil são autocráticas, ou seja, espera-se que as idéias e as respostas venham sempre do chefe, do líder, do presidente. Isso inibe drasticamente a criatividade, pois não ser criativo passa a ser um fator de sobrevivência em um mundo que exige a acomodação.
Ao ler estes pequenos parágrafos, extraídos de um informativo publicado no site http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/criatividade-do-brasileiro-e-um-mito-avalia-consultor/23933/, fui assaltado pelas seguintes indagações: e nas comunidades onde não há a presença do poder público? E nos locais onde não há infra-estruturas sociais mínimas como ruas trafegáveis, saneamento básico, energia segura, água tratada, escolas, postos de saúde, segurança de qualidade? E nos lugares onde a população, grande parte dela desempregada, vive sem regras, à larga, como Deus criou batata, e a única relação social ou de poder que impera é a lei da sobrevivência – aliás nada mais humano... ou desumano? Não seria um espaço assim fértil em criatividade? Se a resposta for positiva, a afirmação de Benetti não deve ser aplicada ao bairro Caladinho (em nossa capital), que vive a exata realidade descrita nas minhas indagações. Por lá existe apenas o assistencialismo barato de alguns agentes públicos e as visitas ou os agrados esporádicos de indivíduos com pretensões políticas escusas que esperam pelo momento certo da cobrança: o voto! Lá não há autocracia, não há chefes, não há o que perder, não tem por que se preocupar, se acomodar ou esperar. Há apenas que sobreviver.
À parte o infortúnio da pobreza e o abandono do poder público, a comunidade do Caladinho é singular pelos seus modos e costumes, e eu arrisco dizer que seus moradores são tão criativos quanto espirituosos, a julgar pelas imaginativas placas, dentre tantas, que lá encontrei, e outras tantas que pensei e criei em minha louca cabeça:

“Aqui mora gente!”
“Consertam-se políticos!”

Em que pese aos mais exigentes analistas, aparentemente as duas frases parecem não guardar nenhuma relação entre si, mas se insistirmos melhor na observação, podemos notar o seguinte:
Se na primeira está mais do que claro o pedido de socorro, na segunda, aliás num português bem estruturado, diverso da educação que nos é dada pela nação, não temos certeza se o letreiro traduz um sentimento de revolta ou ingênua esperança. De todo modo, em ambas as placas, fica expressa a criatividade irreverente de uma comunidade cuja única escolha foi não ter escolha.
Desse ponto de vista, entendo que as mensagens geradas por essa comunidade extrapolam o caráter meramente visual das placas, transcendem as aspirações daquela gente e vão alcançar os mais suscetíveis em divagar em interpretações, como eu.
Desta ótica, creio que há criatividade sim, mas uma criatividade que atinge um aspecto social e psicológico delicado e bem perceptível por quem está mais próximo dessa realidade, a exemplo de mim, do leitor do blog e de outros tantos, que gostamos de pensar possibilidades. O mesmo não podemos dizer dos políticos, que só vivenciam essas experiências uma vez a cada dois anos. E o momento está chegando! É só prestar atenção nos projetos de infra-estrutura alardeados por toda a cidade. No Caladinho não seria diferente.
Mas esse povo relegado, como gente, como nós, tem a sua importância. Certamente, com o período de campanha eleitoral que ora se aproxima, serão tratados a pão-de-ló pelos candidatos ávidos por seus votos, pois é só assim que são percebidos como entes socialmente relevantes, considerando que “a única consciência social de político é o medo de perder voto”. E é essa condição, o sufrágio, além da morte e das necessidades fisiológicas básicas (dormir, comer, beber, urinar e defecar), que “iguala todas as criaturas num único rebanho”, pelo menos no Brasil, pátria amada querida, more a criatura no Caladinho ou na Chácara Ipê.
Vamos esperar, daqui por diante, que os moradores do Caladinho não sejam visitados apenas em época de campanha eleitoral.
Afinal... bem... Nada se paga pra sonhar!


Wallace Rocha



terça-feira, 1 de maio de 2012

Conversa para Evo Morales dormir


             O Brasil e a Bolívia sempre protagonizaram fatos históricos interessantes e intrigantes, para não dizer curiosos. A exemplo disso, para começar, podemos citar resumidamente a disputa dos dois países pelo Território do Acre que, aliás, era da Bolívia, e nós o espoliamos numa negociação que, dizem as más línguas, principalmente as bolivianas mais nacionalistas, não foi até hoje completamente honrada, ficando a troco de dois cavalos.
Antes, porém, para entendermos melhor o imbróglio, devemos voltar a 1750, quando tudo começou, ano em que foi assinado o Tratado Hispano-Português, que se referia ao Acre, terra “praticamente esquecida, despovoada e inexplorada” (COCA et alli, 2011), abundante em seringueiras, e ainda virgem – coisa rara por estas paragens hoje em dia – como sendo território boliviano, não sabendo os hermanos que a densa floresta escondia aqui não só virgindades e beldades, mas também grande riqueza.
Ocorre que os bolivianos nunca ocuparam o Acre devido ao difícil acesso e à inóspita característica da região. A ocupação só veio a acontecer mais de 100 anos depois, a partir de 1852, pelos seringueiros brasileiros, em sua maioria imigrantes cabras da peste nordestinos, que aqui chegaram atraídos pela cobiça ao “ouro negro”. Essa ocupação só foi percebida pelos bolivianos em 1877, mais precisamente por um deles, o então presidente Aniceto Arce, que veio refugiar-se por estas nobres terras acrianas após sofrer um golpe político comandado por José Manoel Pando. Se de Arce não sabemos mais nada, talvez apenas que tenha se perdido no tempo e na história, afinal não somos exímios historiadores; de Pando sabemos apenas que viria a ficar famoso à moda brasileira, depois de morto: virou nome de província! Que legal!
Enquanto isso, os seringueiros brasileiros continuavam lentamente (não sei por que, talvez porque fossem em sua maioria baianos, RS!) a ocupar o Acre, território até então legitimamente da Bolívia, e essa migração continuou “até que a prosperidade do comércio mundial da borracha despertou o interesse pela região”. (COCA et alli, 2011).
Começa então a disputa pelo Território do Acre, e bolivianos e brasileiros são os primeiros a encampar a batalha armada, que não foi apoiada inicialmente pelo governo federal brasileiro, que não fez mais que respeitar o tratado de Ayacucho (1867), que dava à Bolívia a posse do território, agora mais que disputado.
Mas foi em 1899, quando o aventureiro espanhol Luiz Galvez aportou por estas bandas, que o negócio esquentou. Galvez, um estrangeiro em terra estrangeira, num ato de bravura e loucura, resolveu lutar pelo Brasil, mas diante da negativa de apoio do governo brasileiro aos revolucionários acrianos, Galvez – aí é que entra a loucura – resolveu proclamar a República Independente do Acre, que durou pouco mais que um sonho encantado, pois o governo da república tratou logo de enviar tropas para dissolver o sonho de Galvez e dos acrianos, restituindo a região à Bolívia.  Porém, como tudo no Acre vira moda, desde tempos antigos, em 1900 uma nova República Independente do Acre foi criada, mas logo foi dissolvida, agora por tropas bolivianas, e em 1901 a Bolívia arrenda o Acre para o BOLIVIAN SYNDICATE, uma mistura de capitalistas norte-americanos e ingleses. Este acordo garantia ao grupo o controle total sobre a nossa terrinha, inclusive no aspecto militar.
“A perspectiva de um núcleo estrangeiro encravado na Amazônia Ocidental era inaceitável. O governo brasileiro ordenou a ocupação do Acre e estabeleceu um governo militar. Graças à diplomacia brasileira, (...) os governos do Brasil e da Bolívia assinaram um tratado que dava ao Brasil a posse do Acre.” (COCA et alli, 2011). Após negociação conduzida pelo Barão do Rio Branco, que resultou no tão ilustre Tratado de Petrópolis (17 de novembro de 1903), a Bolívia abriu mão de todo o Território do Acre, ao custo de 2 milhões de libras esterlinas pagos aos governos da Bolívia, e de uma indenização de 150 mil libras ao BOLIVIAN SYNDICATE. Pelo menos era o que previa o famigerado tratado. Não sabemos de fato o que ficou a se cumprir, pois como dissemos e agora reiteramos, não somos exímios historiadores. De cavalos, acho que o tal tratado não falava nada não! Sabe-se, e era costume à época, após grandes negociações, darem-se as partes algumas prendas como política de boa vizinhança. Os cavalos devem ter entrado aí!
Finalmente... Ufa!, em 1903 o Acre torna-se brasileiro. E o resto é isso aí que todo acriano com o mínimo de conhecimento de sua terra – embora distorcido – já sabe. Deu nisso aí que todo mundo vê hoje!
Mas a história não acaba aqui – aliás ela nunca acaba –, e embora o Acre e a Bolívia tenham vivido em relativa harmonia por mais de 100 anos novamente, Evo Morales, ao chegar ao poder, reabriu algumas feridas e lembrou de alguns fatos históricos envolvendo os dois países: curiosamente, Morales não se lembrou de fatos realmente importantes, mas referiu-se ao Acre como exemplo de espoliação e ainda mencionou que o pagamento pela negociação malograda foram exatamente os tais dos cavalos. Ô bichinho importante esse tal de cavalo! Ô idéia fixa da porra! Vai gostar de cavalo assim lá na baixa da égua!
Nesse mesmo período de discursos desastrados, para completar o inusitado desse resgate histórico cavalar, Evo Morales decreta a estatização das reservas de gás e petróleo da Bolívia e de todo o patrimônio da nossa unidade da Petrobras implantada no seu país. E isso, coincidência ou não, ocorreu exatamente num 1º de maio da vida! E para botar um pouco mais de lenha na fogueira, recentemente Evo – sempre ele! – editou a polêmica lei que regulariza, na Bolívia, os carros roubados no Brasil, e mais outra que criminaliza a compra de gasolina por brasileiros naquele país, esquecendo-se, porém, de responsabilizar também os vendedores do combustível, diga-se de passagem – olhem só que coincidência de novo! – bolivianos!
A última da semana passada foi que o exército boliviano – certamente sob ordens de Morales – olha ele aí de novo! – foi expulsar colonos brasileiros das terras bolivianas, o que trouxe a necessidade de o Brasil deslocar tropas do nosso Exército para a fronteira.
No que isso vai dar? Eu particularmente já adivinho, e Janu Schwab, no Blog do Altino Machado (http://altino.blogspot.com.br/), dá a sua opinião, que não diverge muito da nossa:
“A questão que envolve colonos brasileiros em terras bolivianas é antiga. Tão antiga quanto a História do Acre - afinal, me desculpem os mais ufanistas, o que é a formação territorial do nosso Estado se não uma "invasão" às terras que eram, sabemos, pois, da Bolívia?
“O povo boliviano se formou assim: achando que os vizinhos queriam sabotá-lo. Por isso se encrencou com chilenos, peruanos e brasileiros. A chegada de Evo Morales ao poder só reacendeu essa chama.
“Populista que só ele, entre outras bandeiras mequetrefes, voltou a reclamar a faixa de terra tomada pelo Chile e, para o espanto dos acreanos e a alegria sarcástica do Diogo Mainardi, o Acre de volta.”
Nossa! Essa de “tomar” o Acre de volta me assustou, pois tudo leva a crer que pode começar por Brasiléia. Mas, passado o susto, pensar nisso me faz nascer uma ideia jocosa, já que Evo Morales insiste tanto em falar de espoliação e de cavalo: sabem o bairro Samaúma (atual Leonardo Barbosa) em Brasiléia? Pois é! Pesquisas revelam que o rio romperá aquele barranco nos próximos anos. Caso isso venha a acontecer, é melhor a gente se precaver, pois como a fronteira natural do Brasil com a Bolívia naquele ponto é justamente o leito do rio Acre, será que o Evo Morales vai querer incorporar aquela pequena extensão de terra à Bolívia?
Como Evo tem se mostrado fã da megalomania napoleônica e ainda é dado a decretos esdrúxulos, pode ser que ele queira decretar que aquele pedaço de chão é um reino, para em seguida bancar um Ricardo III de araque e ao lema de “Meu Samaúma por um cavalo!” queira barganhar o que já perdeu por nunca ter sido dele.
 Sei lá!... Mas se assim o for, como ele gosta tanto dos bichinhos, a gente dá mais um cavalo pra ele, e aí tá tudo resolvido. Só que desta vez, pra acabar com essa palhaçada, a gente documenta tudo. E pronto!

Wallace Rocha


Referências Bibliográficas
COCA et alli. Contam os bolivianos que o Acre foi trocado por um casal de cavalos brancos. Mato Grosso: UNEMAT, 2011.
ARAÚJO, Felipe. Revolução acreana: Brasil República. Disponível em: ˂http://www.historiabrasileira.com/brasil-republica/revolucao-acreana/˃ Acesso em: 24/03/2012.
ATTUCH, Leonard. Quanto Vale o Acre? Disponível em: ˂http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/5014_QUANTO+VALE+O+ACRE˃ Acesso em 24/03/2012.
BEZERRA, Maria José. Invenções do Acre: Território a Estado – um olhar social. Tese Doutorado. São Paulo: USP, 2005.
GARCIA,Rodrigo Garcia; MONTEIRO, Tânia Monteiro; MARIN, Denise Chrispim.Trocamos o Acre por um cavalo. Disponível em: ˂http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?cod=289137˃. Acesso em: 24/03/2012.
MEIRA, Sílvio de Bastos. A Epopéia do Acre: batalhas do ouro negro. Tratado de Petrópolis. Disponível em: ˂htpp http://www.cmp