sexta-feira, 23 de março de 2012

“Por quê”, Chico?

            O que mais podemos dizer de Chico que já não tenha sido dito? Que viveu de fazer graça, mas que hoje nos deixou sem graça? “Por quê?”, digo eu invocando um dos seus mais célebres e irreverentes personagens.
            A verdade é que morreu Chico; mas Chico viverá pra sempre! Sua vida foi grandiosa, e mais grandiosa ainda foi sua morte, já que Chico não morreu sozinho, pois foi tantos em um só, que levou consigo mais de 200 personagens dos mais variados tipos, desses que encontram e sempre encontrarão ecos em nossas almas e que vão nos acompanhar ainda por muito tempo, e por isso também hoje morremos um pouco com ele. Chico foi divertir os anjos, e nós ficamos com inveja deles.
            Para ser breve, faço minhas as palavras de Jairo Nolasco, que foi precioso em seu texto publicado no blog Jurubeba Juruaensis:

            "Dos seus mais de duas centenas de personagens, se eu pudesse me fazer um para viver seria o espinhoso e absoluto 'Alberto Roberto' e seus infindáveis 'porquês'. E mandaria todos os 'Da Júlia' da vida, controladores de nossos atos, à merda. Nestas paragens terrenas Chico foi show e basta."



segunda-feira, 19 de março de 2012

Eis o milagre da fé! “Pois se ela remove montanhas, também traz grana e um monte de mulher.”

Quando decidi montar o blog, prometi a mim mesmo que não falaria de POLÍTICA, de RELIGIÃO nem de FUTEBOL; deste porque não conhecia e ainda não conheço nada; daquelas porque são e sempre serão assuntos polêmicos. Se meus poucos leitores tem me acompanhado, já perceberam que só posso manter a promessa com relação ao futebol, pois sobre política eu já descumpri, e descumpro agora a promessa sobre religião. Já viram então que eu não sou um sujeito em quem se pode confiar. Porém, se preferirem os leitores, podem confiar nos que vão aí abaixo.
Não gosto de me referir assim a qualquer que seja o segmento religioso, mas a vontade que tenho de dizer “vão se danar!” é enorme! Pelo que se tem visto ultimamente no Brasil, a exemplo da reportagem veiculada ontem no Domingo Espetacular acerca do enriquecimento do apóstolo megalomilagreiro Valdemiro Santiago, chego a ser invadido por aquele que acredito ser o mais capital dos Sete Pecados Capitais: a IRA! Deus que me perdoe!
Ex-discípulo de Edir Macedo, Valdemiro, por gananciosa fé, deixou a Igreja Universal e fundou a Igreja Mundial, hoje atacada por seu rival maior. Na verdade, o sujo falando do mal lavado, visto que não há a menor diferença entre ambos.
Está bem... Somos um país livre, que prega a liberdade religiosa... mas charlatanismo é outra coisa e não tem nada a ver com fé ou preceitos religiosos.
Eu, que sou praticante esporádico do catolicismo, sei disso. Não me venham dizer então os escolados pastores de Bíblia na ponta da língua que não o sabem! O que sabem de fato é extorquir a ingênua fé alheia, isso sim, e como fazem bem: “Em nome de Jesus!” Mas eu bem sei, e Deus e Jesus também o sabem que nós três não temos a menor culpa disso. E os pastores vão fazendo de suas pequenas igrejas os seus grandes negócios. Isso tudo, é claro, não esqueçamos, aliado à lavagem cerebral na cabeça dos fiéis que, se inadimplentes com o dízimo, lhes terão negado o Reino dos Céus!
Sinceramente, vai aí mais um recado: As pessoas que me dizem que eu vou para o inferno e elas vão para o céu de certa forma deixam-me feliz de não estarmos indo para o mesmo lugar.”[1]
E aí pergunto eu, cometendo mais um pecado, com certeza: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?”[2]
Enquanto isso, vamos ficando com as respostas bem precisas que alguns homens de Deus nos dão em seus cultos, conforme pregação de um pastor presenciada por Leandro Altheman Lopes (administrador do blog http://terranauas.blogspot.com.br), por ocasião de sua passagem por uma igreja evangélica de Rio Branco, e que o próprio Leandro reproduziu em seu blog, e que eu tomo emprestado.
Aí vai:
"Meus irmãos, Deus espera pela sua doação. Mas não me venham com uma nota de cinco reais. O que tem na nota de 5 reais? Uma garça. Um animal que vive com o pé na lama. Vocês querem passar o resto de seus dias com o pé na lama? Mas, meus irmãos, não me venham vocês com uma nota de 5 reais.

Uma arara, meus irmãos, é um animal de voo curto, que só faz barulho, não chega longe. É isso que vocês querem, meus irmãos?
Meus irmãos, mas, por favor, não me venham com uma nota de 20 reais. Quem é que vai querer pagar este mico?
Agora, de 50, a gente já tá falando de uma onça! Um animal imponente, que impõe respeito!
Mas na nota de 100 tem o desenho de um peixe, que é o símbolo do Cristo! Este, sim, vai agradar a Deus!"

E como diria um personagem de Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida: “Eita, que o negócio da reza tá é prosperando!”
Caro Leandro, esse post é em homenagem a você e a seu blog, pois como você mesmo disse: “Cada ovelha tem o pastor que merece”.

Wallace Rocha



[1] Citação de Mark Twain (1835-1910), escritor americano.
[2] Versos do poema Vozes da África, de Castro Alves (1847-1871).






segunda-feira, 12 de março de 2012

Longus amor est, sed vita brevis


            De toda a ficção do norueguês Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sofia e Através do Espelho, certamente é Vita Brevis, este pequeno grande livro, a mais notável de toda a sua já admirável obra literária. O assunto é provavelmente o mais maduro e instigante de todos os temas já tratados em seus livros.
            Vita Brevis trata de um suposto Codex Floriae, que teria sido escrito por Flória Emília a Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho, filósofo cristão autor das Confissões.
            Como história de fundo, o autor lança mão de um artifício afirmando que teria descoberto um velho manuscrito em latim que teria sido garimpado em um sebo de Buenos Aires e que o próprio autor comprou e traduziu. Consistiria de uma coleção de cartas da mãe do filho de Santo Agostinho, que se chamaria Flória Emília, e que depois de ter sido abandonada por ele, tem uma educação Clássica, ler suas Confissões (onde ela é mencionada, mas não nomeada) e se sente compelida a escrever esse texto como resposta às Confissões, revelando suas discordâncias e insatisfações por ter sido deixada pelo ascetismo do santo, uma visão de mundo mais voltada para a vida após a morte do que para a vida agora, que é breve, razão do título. Eis aí o livro.
            Na carta, Flória leva-nos a entender que foi a amante de Agostinho, deu a luz a um filho dele e foi abandonada por ele quando ele mergulhou em suas crenças religiosas. A carta entrelaça a história de seu relacionamento e também fornece uma resposta à abordagem de Agostinho ao amor humano. Flória narra que, com o sofrimento causado pelo abandono, aprendeu muito nos anos em que estiveram separados. Ela constroi sua carta como um eco das Confissões, além de enchê-la com alusões a outras literaturas clássicas e também às Escrituras, a que o próprio Agostinho tanto ama e segue. Flória se se contrapõe a Agostinho com o seguinte argumento: para ele, negar seu amor seria rejeitar algo de bom que o próprio Deus criou.
            Flória também destaca a forma como Agostinho foi incapaz de romper seu relacionamento com a mãe – forte influência religiosa na vida dele –, e que, na realidade, a resposta de Agostinho a Flória tem a ver com este efeito de distorção por suas convicções religiosas, pois a mãe de Agostinho o queria livre dos prazeres carnais aos quais ele tinha se entregado.
            Seria muito fácil pensar, especialmente se encararmos essa situação sem preconceitos e com olhos modernos, que Gaarder, ao apresentar esta parábola, está endossando a abordagem ao amor, que diz nada mais do que "se o amor é bom, é certo". No entanto, o argumento é mais sutil do que isso. Flória e Agostinho, apesar de solteiros, viviam efetivamente em um relacionamento de comprometimento um com o outro e já tinham um filho. A resposta mais apropriada para alguém incomodado com isso, de uma perspectiva religiosa, seria para ele ter se casado com Flória. Romper um relacionamento como esse, como a mãe de Agostinho esperava, para formar um considerado mais adequado – formando uma segunda ligação física em seu lugar – não seria um passo em frente, pois a mãe perderia o seu Agostinho para outra mulher de qualquer jeito, caso ele viesse a romper com Flória e posteriormente procurar outra, já que esta era a real motivação e foi a que de fato ocorreu. Isso não é mencionado no livro, porém. E o livro se equivoca justamente aí, ao dar como causa da separação o ascetismo de Santo Agostinho, quando na verdade a separação ocorreu bem antes de sua conversão.
            Como consta no Livro VI das Confissões, a verdadeira razão é um casamento arranjado, que interessava financeira e socialmente a Agostinho. O ascetismo andava longe de Agostinho nesta época, já que arranjara outra concubina, mas por ser a noiva ainda muito jovem, teve que esperar ainda dois anos para efetivar o casamento.
            Talvez por não querer tratar a história de Agostinho e Flória nesses termos, o autor tenha optado por omitir esses fatos e lançar mão de mais outro artifício, destancando então a insistência da mãe em instigar o filho a seguir o caminho da religião.
            Por outro lado, não podemos desconsiderar esse aspecto real da história do santo: Agostinho permitir que a sua vida emocional tenha sido governada por sua mãe também é inadequado.
            Considerando isso tudo, e nos centrando apenas na abordagem filtrada por Gaarder, que escolheu essa linha, é aí que a história se torna mais intricada, pois sai da mera e previsível literatura, permeada de conceitos históricos, religiosos e filosóficos, para tomar ares psicológicos mais complexos.
            Além disso, é também nesse ponto que Flória, ao desconstruir o conceito de amar de Agostinho, é bastante feliz em mostrar que o que ele estava fazendo não representa uma interpretação sensata das Escrituras, que ele usava como base para nortear sua vida e também usou para justificar o seu abandono a Flória.
            Na realidade, a abordagem de Agostinho, a sua negação do prazer físico, das relações humanas, tem mais a ver com uma abordagem dualista, que separa o físico do reino espiritual. Isto, naturalmente, não é uma ideia cristã. Para os cristãos, Deus governa tanto o físico quanto o espiritual. Não queremos dizer aqui que as expressões físicas de amor tem sempre razão, pois não é isso o que o Cristianismo prega. O que queremos dizer é que negar qualquer expressão física do amor, como Flória argumenta que Agostinho fez, é definitivamente errado.
            Aliás, a história de Gaarder se encaixa quase que perfeitamente no enredo da tragédia básica dada por Christopher Booker no seu Seven Basic Plots, com Agostinho sendo a pessoa que não consegue chegar à completude e à compreensão.
            "Apesar de ter sido editado em 1996, ainda hoje, devido aos recursos literários, utilizados pelo autor, muitos leitores acreditam ser este livro uma história real, e não uma obra de ficção. Vários meios feministas e anticatólicos fazem referência ao livro como forma de criticar Santo Agostinho e a Igreja Católica. Até hoje não se sabe o nome da mãe do filho de Santo Agostinho." Ele próprio não dedica mais que duas linhas sobre o seu amor nas Confissões.
            De todo modo, é impressionante como um livro tão pequeno nos faz descobrir coisas tão grandes. Assim é Vita Brevis: “uma joia literária”, uma ficção interessante que mescla literatura, história, filosofia, religião e psicologia digna de Freud num texto sensual e sedutor que nos faz repensar valores cristãos já amarelados com o tempo e deles tirar novas conclusões! Independentemente de ser ficção (ou realidade – como alguns acreditam ser), “ajuda-nos a entender um pouco mais a história de um dos grandes santos da Igreja Católica”... E por que não dizer a história de nós mesmos?!
            Leitura que vale a pena! Pra ler de uma vez só!


                Wallace Rocha


Referência bibliográfica:
GAARDER, Jostein. Vita Brevis. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.