Revisitando os meus arquivos sobre literatura, tive a impressão de que alguns escritores que eu costumava ler e que eram tão presentes no meu hobby de desbravar as irrealidades tinham sido, de algum modo, relegados, quer seja por um momento, pela crítica, pelo público, por mim e, quem sabe, pelo mundo. E nisso percebi no meu pensamento certo saudosismo.
Resolvi então escrever sobre eles, os relegados, dando um tom saudosista ao texto, mas pensei: teriam mesmo sido eles esquecidos? Eram tão presentes! São ainda tão presentes, que os revejo quase sempre! De fato a prova está aqui, esta idéia norteando a minha escrita. Claro que, às vezes, surgem novos escritores e novas formas de escrita interessantes, mas eu sempre retorno aos cânones, porque o que é bom será sempre eterno. Mesmo assim, essa breve impressão me fez descobrir, com pesar, que, se eu os esqueço momentaneamente, o mundo também pode esquecê-los. Creio que considerações assim também devem ocorrer a outros leitores.
Resolvi então escrever sobre eles. Insisti. Mas como começar? Quem eram eles?
Que Haroldo Bloom tenha empreendido esforços para eternizar os seus 100 escritores em Gênio, Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura, isso é louvável, louvável até certo ponto. Ao mesmo tempo explico e pergunto: Primeiro porque Bloom falou de genialidade, o que pode ter incluído, por ventura, alguns relegados; segundo porque eu pretendo falar sobre relegados, o que poderá, também por ventura, incluir alguns gênios. Então, de Harold Bloom para mim não há tanta diferença. Faço dos seus os meus e os apresento a seguir. Agora as perguntas: mas por que só 100? Por que tão poucos? De qualquer modo, estão entre eles – alguns relegados, outros gênios, outros loucos –, Homero, Tito Lucrécio, Virgílio, Sócrates, Platão, São Paulo, Santo Agostinho, Maomé, Geoffrey Chaucer, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Michel de Montaigne, John Milton, Dante Alighieri, Samuel Johnson, Luis Vaz de Camões, John Donne, Alexander Pope, James Boswell, Johan Wolfgang von Goethe, Sigmund Freud, Thomas Mann, Friedrich Nietzsche, Kierkegaard, Franz Kafka, Marcel Proust, Samuel Beckett, Molière, Henrik Ibsen, Anton Tchekhov, Oscar Wilde, Luigi Pirandello, Jonathan Swift, Jane Austen, Lady Murasaki, Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, Charlotte Bronte, Emily Bronte, Virginia Woolf, Leon Tolstói, Ralph Waldo Emerson, Emily Dickinson, Robert Frost, Wallace Stevens, T. S. Eliot, William Wordsworth, Percy Shelley, John Keats, Giacomo Leopardi, Lorde Alfred Tennyson, Dante Gabriel Rossetti, Christina Rossetti, Walter Pater, Hugo von Hofmannsthal, Victor Hugo, Gérard de Nerval, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Paul Valéry, James Joyce, Alejo Carpentier, Octavio Paz, Stendhal, Mark Twain, William Faulkner, Ernest Hemingway, Flannery O´Connor, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Hart Crane, Federico García Lorca, Luis Cernuda, George Eliot, Willa Cather, Edith Wharton, F. Scott Fitzgerald, Iris Murdoch, Gustave Flaubert, Eça de Queirós, Jorge Luis Borges, Italo Calvino, William Blake, D. H. Lawrence, Tennessee Williams, Rainer Maria Rilke, Eugenio Montale, Honoré de Balzac, Lewis Carroll, Henry James, Robert Browning, William Buttler Yeats, Charles Dickens, Fiodor Dostoiévski, Isaac Babel, Paul Celan, Ralph Ellison e Machado de Assis, o único autor brasileiro a constar da relação.
Lembrei-me então de Aristóteles, Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, Giovanni Bocaccio, Thomas Moore, Erasmo de Roterdã, François Rabelais, Guimarães Rosa, José Saramago, Adolfo Bioy Casares, Roberto Bolaño, Julio Cortázar, Gabriel Garcia Marquez, Enrique Vila-Matas, Benito Lynch, Paul Groussac, Robert Musil, Samuel T. Coleridge, Edgar Allan Poe, Conan Doyle, Günter Grass, J. D. Salinger e suas razões obscuras de 57 anos de reclusão voluntária e Robert Walser, este último, a exemplo de Kafka, um caso intrigante de loucura e genialidade. E aqui teríamos pela frente, a perder de vista e de escrita, uma infinidade de outros autores a citar, antigos, clássicos e modernos, mas como isso já foi feito pelo mestre da crítica literária universal, que se esqueceu de contemplar estes poucos e outros mais que agora citamos, ou não os quis contemplar por critérios de estarem alguns ainda vivos e outros que desconhecemos, usamos também os mesmos pretextos, o do esquecimento e o do não-querer, ou outros mais, sejam eles quais forem, e ficamos por aqui, sabendo que existem mais, e pedindo desculpas por não termos sido tão mais abrangente, mas deixando a dica a Harold Bloom, caso ele pense em revisar Gênio... ou, quem sabe, revisar os conceitos sobre a Teoria do Humanitismo na obra de Machado de Assis que, em nossa opinião, Bloom deixou muito a desejar, por não saber explicar ou por não saber entender, seja o que for, mas isso é tema para outro texto.
Curiosamente, de todos os autores aqui citados, de esquecidos na verdade eles nada têm, pelo menos pra mim. Têm de gênios e de loucos todos eles um pouco, mas não de médico, que aqui não tratamos de medicina, mas de literatura e loucura, embora esta careça da medicina psiquiátrica, mas as duas imprescindivelmente carecem da literatura. Um ou outro, talvez, possa ter andado aí por alguma estante, um pouco empoeirado, mas certamente continuam todos bem vivos, vivos na memória da cultura universal, e por muito tempo ainda vão continuar, certamente vivos e a libertar ou a enlouquecer esse ou aquele leitor de intelecto mais suscetível, pois já dizia Plutarco que “os livros já levaram mais de um à sabedoria e mais de um à loucura.”
Mas a idéia de escrever sobre os relegados permanecia, e isso já me preocupava, pois estava se tornando uma idéia fixa, e como toda idéia fixa é mesmo prenúncio de loucura... ou genialidade (que pretensão a minha! refiro-me à loucura. RS!) –, andei e andei até aqui, perfiz círculos e quadrados nos labirintos literários, fui para frente e para trás, acabei meio perdido em divagações, sem norte, me encontrei perdido em nada. E eu, que esperava escrever sobre os esquecidos, por não saber exatamente o que escrever ou sobre quem escrever, afinal, pra mim são todos tão vivos, acabei por novamente relegá-los. E para provar a máxima do Barão de Itararé, aplicada a mim mesmo: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada!” RS!
Restou-me apenas vasculhar onde fosse possível achar, e acabei me deparando, santa Internet, com as palavras do Mestre GENELOHIM em seu NEO LIBER LEGIS (dos quais eu nunca tinha ouvido falar, nem do livro nem do homem – AGORA SIM! – pensei – pelo menos desativei um lugar comum: De onde menos se espera pode sair alguma coisa sim! RS!), e percebi que o que estava escrito pelo Mestre traduzia exatamente o que eu pretendia dizer ou pelo menos abarcava em uma única idéia o meu pensamento de escrever sobre autores esquecidos, ao mesmo tempo dando ao texto o toque saudosista que pretendia. Como dos autores, de certa maneira, pelo menos de nome já comentei, restou-me o saudosismo.
Achando desnecessário, portanto, continuar a escrever em cima do já escrito e bem posto (Bloom e Genelohim, resguardadas a pouco conhecida filosofia iniciática deste e a mundialmente renomada crítica literária daquele, ambos bem distintos em sua diferenças), resolvi apenas citar as palavras do tal Mestre, para o deleite da minha inabilidade ou indolência na escrita.
Fiquemos então com essas lições. Talvez elas possam traduzir o que eu não consegui dizer.
“PALAVRAS, PENSAMENTOS, DARÃO REMINISCÊNCIAS, NADA MAIS! (NLL, 99)
EXISTE a História, que inscreve na memória da Humanidade os fatos que considera relevantes.
MAS quantos fatos, trabalhos valiosos, exemplares, realizações importantes, desaparecem na voragem do tempo, perecendo junto com seus autores, relegados ao anonimato e ao esquecimento!...
SIM, existe uma memória preservada que confere continuidade e sentido à vida do homem na Terra. Mas o número de esquecidos, de desaparecidos, é cada dia maior...
QUE fazer de nossas vidas? Devemos perseguir a imortalidade da obra? Ou simplesmente viver o eterno presente, deixando que se apaguem os traços ou vestígios de nossa passagem pelo Planeta?
SE "na vida tudo passa", e os registros são incompletos, se estamos praticamente fadados ao esquecimento, valerá mesmo a pena empreender uma afanosa lide para realizar obra meritória de continuidade?”
Certamente, contudo, haverá o tempo em que acontecerá o mesmo com Harold Bloom, Mestre Genelohim, com os escritores citados, comigo e com nós todos, que não passamos de seres mortais. Quem sabe, quando não mais pudermos escrever, no futuro outros poderão e falarão sobre alguns de nós. Seremos para eles, em algum momento, fruto da lembrança ou do esquecimento. E assim serão eles para seus descendentes. E tudo será apenas uma questão cronológica, já que nesse mundo sempre há quem lembre ou esqueça, quem nasça ou morra, seja na arte ou na vida ou nas duas, pois assim como a vida brota e fenece, o mundo – e tudo que há nele – se refaz... em algum tempo ou em algum lugar.
E isso é tudo! Mas não sei se me fiz entender...
Wallace Rocha
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