domingo, 3 de agosto de 2014

LETRA E ALMA

Por Marcya Sussuarana Lira

Sou amante da escrita. Já alfabetizei muita gente. Minhas emoções (boas ou ruins) me impulsionam a escrever. E fica fácil saber quando algo ou alguém mexeu no meu "tanquinho emocional".
Encontrei uma pessoa esses dias, com a qual troquei muitas cartas. Essa pessoa me disse estar com saudades, mas percebi que a saudade ia além do contato visual (face a face). Era uma saudade caligráfica.
Com todo esse desenvolvimento digital, eu também fui transformada. Minha letra, inconfundível e cheia de personalidade, virou a formal e fria Arial.
O tempo e a velocidade do mundo levou com o vento muita coisa boa: a expectativa do correio, o exercício grafomotor, o perfume deixado no papel, a pessoa descrita por sua escrita...
Pela letra, é possível desvendar cantos escondidos da nossa personalidade, mas o mundo de máscaras parece mesmo ter conquistado mais aliados, o teclado, o e-mail, o Word...
Já ouvi dizer que em terra de WhatsApp ligação é prova de amor. Acho também. Às vezes me pego cedendo às facilidades e às autodefesas embutidas em mensagens virtuais. Você xinga, se declara, e se quiser ignorar e não quiser ser indelicado, basta dizer que não leu. Enfim, o mundo frio e sem contato. Me sinto só.
Mas hoje me desafiei e passo a reescrever a nova história da minha escrita. Fazendo uso do que é tecnologicamente necessário, sem abrir mão do calor e do carinho perfumado de uma carta desvelada.
Corra à caixa de correio. Pode ter algo lá, esperando por você.

 


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Criminologia crítica e crítica do direito penal

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.pp.59-83.

Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto

A mudança sociológica mais significativa realizada pela criminologia contemporânea se deu, segundo Barata, através da teoria estrutural-funcionalista do desvio e da anomia introduzida por Emile Durkheim e desenvolvida por Robert Merton. Esta teoria oferece uma alternativa à construção doutrinária dos caracteres diferenciais biopsicológicos do delinquente, questionando a ideia positivista do princípio do bem e do mal.
Durkheim vê o crime como um fenômeno natural a qualquer sociedade. Enquanto elemento funcional, o delito, segundo o sociólogo, faz parte da fisiologia da vida social, e não de sua patologia, exceto quando exteriorizado de modo excessivo, negativo, ultrapassando os limites, gerando desorganização, estado em que todo o sistema de regras vigentes perde o valor, enquanto novo sistema não emerge e se firma.
Embalado pelas ideias de Durkheim, Merton desenvolve a sua teoria funcionalista da anomia, cujo estudo centra-se não somente na estrutura social, mas em suas desigualdades. Merton vê o desvio como um produto da estrutura social, não tendo esta somente um efeito repressivo, mas também estimulante sobre o comportamento individual. A teoria da anomia é definida por Merton como “a crise da estrutura cultural”.
            Ainda segundo Merton, a tensão entre estrutura social e os valores culturais produzem diferentes tipos fundamentais de respostas individuais, de onde derivam cinco modelos de “adequação individual” ou estratificação social:
1) Conformidade: resposta positiva, tanto aos fins culturais quanto aos meios institucionais;
2) Inovação: adesão aos fins culturais, sem o respeito aos meios institucionais (esse indivíduo é o tipo delinquente);
3) Ritualismo: respeito apenas formal aos meios institucionais, porém sem a persecução dos fins culturais;
4) Apatia: negação dos fins culturais e dos meios institucionais;
5) Rebelião: afirmação substitutiva de fins e meios alternativos;
Para Merton, essa análise de criminalidade constitui um reforço de sua tese sobre o desvio inovador, uma vez que os seus agentes aderem e personificam decididamente o fim social dominante na sociedade norte-americana, sem interiorizar as normas institucionais.
Baratta, porém, critica a construção original de Merton no que se refere à criminalidade de colarinho branco, alegando que a teoria mertoniana é adequada somente para explicar superficialmente a criminalidade das camadas mais baixas.
Outra teoria apresentada por Alessandro Barata é a das subculturas criminais. Para o autor, a relação entre a teoria funcionalista e a teoria das subculturas criminais deve ser vista como uma relação de compatibilidade e não de exclusão. A primeira pretende estudar o vínculo funcional do comportamento desviante com a estrutura social, enquanto a segunda busca estudar a forma como a subcultura delinquencial se comunica aos jovens.
Sutherland, citado por Barata, critica as teorias gerais do comportamento criminoso que se baseiam em condições econômicas, psicopatológicas ou sociopatológicas. Trouxe aportes para a teoria das subculturas criminais, principalmente com a análise das formas de aprendizagem do comportamento criminoso, mencionando que tal aprendizagem depende das várias associações diferenciais que o indivíduo possui com os outros, ficando por isso sua teoria conhecida como “teoria das associações diferenciais”.
Outro autor mencionado por Barata é Cohen, segundo o qual a problemática dessas associações diferenciais e de sua qualidade proposta por Sutherland e descreve a subcultura dos bandos juvenis como um sistema de crença e valores em que a origem é apreendida de um processo de interação entre rapazes que ocupam posições semelhantes no interior da estrutura social. Para Cohen a subcultura delinquente é não-utilitária, maliciosa e negativista: não-utilitária porque nem sempre o produto do crime é usado. Maliciosa porque os membros dos grupos subculturais encontram um prazer em causar a desconformidade nas outras pessoas. Negativista porque o objetivo do cometimento do crime é a inversão total das normas e valores da cultura dominante. É uma espécie de polaridade negativa às culturas de classes médias. A última característica é o rechaço deliberado dos valores correlativos da classe dominante.
Tal subcultura exprime e justifica a hostilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social, pois esses comportamentos representam a solução de problemas de adaptação, uma vez que a incapacidade de se adaptar aos padrões da cultura oficial gera problemas de status e de autoconsideração (sensação de pertencimento negativa, comportamento revoltoso).
Enfatiza Baratta que o núcleo teórico das teorias subculturais criminais se opõe ao princípio da culpabilidade, negando o delito como expressão de atitudes contrárias aos valores e às normas sociais gerais, afirmando que existem valores e normas específicos dos diversos grupos sociais.
O autor cita que tanto a teoria funcionalista da anomia quanto a teoria das subculturas criminais contribuíram para a relativização do sistema de valores e regras sancionados pelo direito penal. Já a teoria das subculturas criminais revela que os mecanismos de aprendizagem e de interiorização e modelos de comportamento, que estão na base do comportamento criminoso, não são distintos dos mecanismos de socialização pelos quais se explica o comportamento normal, relativizando assim o peso específico da escolha individual ou da determinação da vontade.
Barata também menciona os estudiosos Sykes e Matza, cuja teoria intenta realizar uma correção das subculturas criminais através da análise das técnicas de neutralização, que seriam entendidas como “formas de racionalização do comportamento desviante que são aprendidas e utilizadas ao lado dos modelos de comportamento e valores alternativos, de modo a neutralizar a eficácia dos valores e das normas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinquente geralmente adere” (p. 77).
Para Sykes e Matza o menor se torna delinquente devido à aprendizagem destas técnicas e não tanto através da aprendizagem de imperativos morais, valores e atitudes que são opostos aos da sociedade dominante. As técnicas de neutralização seriam um sistema alternativo de princípios de valoração em relação ao sistema dominante.
Baratta afirma que as teorias das subculturas criminais se tornaram objeto de uma crítica que ataca o paradigma etiológico que as teorias “subculturais” herdaram das teorias estrutural funcionalistas, não se destacando ambas das teorias positivistas, exceto pelos instrumentos explicativos adotados, porque possui uma linha de análise, sugerindo uma posterior reflexão sobre as condições econômicas da criminalidade. Porém, ainda segundo o autor, esta teoria não avançou além do ponto em que chegaram as teorias dos fatores econômicos da criminalidade no âmbito da criminologia liberal contemporânea.