Domingo fui ao Gamelão dar uma olhadinha no Arraial
organizado pela prefeitura. Fui desarmado de todo tipo de rancor.
Nesses eventos, diferente da maioria dos coitados
que nunca ouviram falar em “panis et
circensis”, costumo ficar arreliado, procurando filtrar os discursos, calcular
o grau de satisfação dos incautos apreciadores de marmotas. Juro que não fui
para ver, muito menos criar problema.
Diferente da maioria, que se lambuza na gamela,
prefiro ficar pelos cantos meio envergonhado de ser pego em eventos pagos com
meus impostos sem a devida transparência. Vergonha de ser abestado.
Fiquei pelos cantos, mais exatamente ao lado do
palco onde as “autoridades” se empoleiram. Comparando mal, o palco do Gamelão é
como um trono egípcio. No alto da escada os seguranças imóveis parecem estátuas
a proteger um faraó; se botar uma lança na mão e botar um penacho na cabeça
ficam parecendo um dos Dragões da Independência no Palácio do Planalto.
Ali, poucos sobem, por precaução talvez, com medo
de ter que pagar algum impostozinho criado de última hora só para aproveitar a
oportunidade.
Mas, como falei, não fui criticar a festa, fiquei
ao lado porque era o único lugar de onde seria possível ver as Quadrilhas se
apresentando.
E lá pelas tantas um pouco antes da primeira
apresentação dois cidadãos cruzeirenses (cidadãos na marra sem título concedido
pela Câmara Municipal, é claro), moradores de rua, um de nome da família dos
galináceos, outro da família do tabaco, pintaram na festa.
O Brejeira rodou por ali, e como talvez achando
toda aquela baboseira um tremendo saco, voltou para casa, que no caso dele é
qualquer lugar ali pelo centro. Já o Galo cometeu o grave pecado de querer
dormir ali pela Gamela, quem sabe aproveitando a boa música do Bruno Barros.
Mesmo dormindo, a presença daquele cidadão
cruzeirense (sem título concedido pela Câmara Municipal, é claro) representava
uma terrível ameaça ao “sucesso do evento”.
Não posso provar, mas acredito que a “ordem de
limpeza” deve ter partido dos organizadores do evento, pois pelo que conheço de
seguranças eles são super limitados das ideias, mesmo as mais tolas.
Assim, dois
seguranças agarraram o “criminoso” com a missão de afastá-lo das vistas do
povo. Foi quando vieram na minha direção. Um dos seguranças-garis, parecendo o
comandante da guarnição, resolveu o problema da pior maneira possível, jogando
o cidadão sob a armação do palco, onde o faraó, ou seja o “prefeito municipal”,
a esposa do “prefeito municipal” e alguns secretários estavam. E o fez de uma
forma desumana, demonstrando uma violência desnecessária, empurrando a perna do
cidadão (que insistia em não ficar escondida embaixo do garajau) com o bico do
coturno. Um cidadão ao lado tomou as dores e os dois seguranças-garis o
encararam; me aproximei do provável tumulto e pedi calma. O rapaz encarado
tratou de sair; e os seguranças, reconhecendo a vacilada, também. E a festa
comendo no centro...
Saquei o celular e fiz a imagem abaixo:
Parece que alguns grupos ainda se apresentaram, mas
a imagem daquele cidadão (que é portador de deficiência mental e é preso todo
dia ali pelos mercados) ali, jogado embaixo do palco do evento, era forte
demais para ser ignorada.
Assim caminha a humanidade, assim nossos
governantes tratam os excluídos, os indesejáveis, os desajustados.
Dissimulando, escondendo, camuflando...
Varrendo a sujeira para debaixo do tapete,
acreditam que estão se livrando da responsabilidade, ou pelo menos, maquiando a
realidade.
Dessa vez eles não conseguiram.
Texto: Antônio Franciney