SOUZA,
E. R. Homicídios no Brasil: O Grande
Vilão da Saúde Pública na Década de 80. Cad. Saúde Públ., Rio de janeiro,
(suplemento 1): 45-60, 1994.
RESENHA
Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva
Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José
Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace
da Rocha Neto
Já
faz algum tempo que a violência no Brasil tem sido tema recorrente no meio
acadêmico e nos mais diversos segmentos da sociedade. No artigo “Homicídios no
Brasil: O Grande Vilão da Saúde Pública na Década de 80”, resultado de pesquisa
realizada no Brasil, e publicado no Caderno de Saúde Pública, cidade do Rio de
Janeiro, a autora Edinilsa R. de Souza aborda o fenômeno da violência no Brasil
na década de 80, período em que foi possível observar um aumento significativo
de acidentes de trânsitos e de trabalho, suicídios, homicídios e outras mortes violentas,
o que ocasionou prejuízo considerável à saúde pública brasileira.
Com
foco especial nos crimes de homicídio e acidentes de trânsito, segundo a autora
os grandes vilões e principais responsáveis pelo maior impulso da violência na
mortalidade da população brasileira, demonstra-se o impacto desses crimes na
Saúde Pública no país na década de 80, no período de transição histórica
ditadura/democracia, em que houve mudanças políticas positivas, como “a
aquisição de uma maior liberdade de expressão, organização e direitos
democráticos”, e transformações socioeconômicas com ressonâncias negativas,
como a intensificação das desigualdades sociais e a socialização da miséria.
No
intuito de ter uma noção clara dos impactos causados pelos homicídios na saúde
pública no Brasil, especificamente na década de 80, são analisados dados
estatísticos fornecidos pelo Ministério da Saúde, onde se buscou estabelecer as
taxas de mortalidade proporcional, segundo sexo e faixa etária dos envolvidos,
levando-se em conta o conjunto do país e das capitais de regiões metropolitanas
com base em tabelas e gráficos apresentados.
Durante
o estudo é dada ênfase às causas de óbito e de homicídios, destacados em
subgrupos, como é o caso dos homicídios causados por arma de fogo. Vale
ressaltar que o estudo busca ainda analisar a qualidade das informações
obtidas, uma vez que, em alguns casos, não se sabia as reais causas dos óbitos,
o que no estudo analisado foi denominado de “homicídios por arma de fogo
ignorados”. Pertinente a esse grupo foram observadas sérias distorções nas
estatísticas quanto à causa básica de morte no Rio de Janeiro.
Souza
nos apresenta dados que demonstram o crescimento vertiginoso das “mortes
violentas por homicídios”, que no início da década de 80 se encontravam na
quarta posição da mortalidade geral do país, e no final da década saltou de
forma expressiva para a segunda posição. Explica também que esse perfil não
acontece de forma homogênea, sendo verificada expressiva diferença entre as
mortes de indivíduos do sexo masculino, que chegaram a representar, em 1988,
onze vezes a quantidade de morte de indivíduos do sexo feminino.
As
mortes violentas ainda são analisadas de acordo com a faixa etária das vítimas,
cujo maior risco, na apreciação de Souza, se encontra nas faixas de 20-39 e
50-59 anos, entre indivíduos do sexo masculino, índice que representa um risco
treze vezes maior que os índices registrados entre os indivíduos do sexo
feminino no período em estudo. Considerando os dados gerais, o índice mais alto
se encontra “nas faixas de 10-14 anos (79,5%) e 15-19 anos (45,3%)”.
A
pesquisa também mostra que os anos de vida perdidos por morte violenta no
Brasil são maiores se comparados aos EUA, tanto em termos gerais como por sexo,
indicando que no Brasil as mortes violentas acontecem em pessoas mais jovens.
Souza ainda apresenta dados comparativos entre as regiões do Brasil, detalhando
as variáveis que ocorreram no período em cada capital ou região metropolitana. A
autora demonstra através de gráficos que entre 1980 e 1989, as taxas de
homicídios no Brasil tiveram um aumento de 193,9%, sendo Salvador a capital do
país que apresenta a situação mais preocupante, com crescimento da ordem de
1.046,7% no período. Destaca também que na Região Sul, embora Curitiba e Porto
Alegre apresentem-se com um nível de crescimento nas taxas de homicídios, ainda
se encontram abaixo da média nacional.
A
pesquisadora afirma também que a maioria dos homicídios no Brasil entre os anos
de 1980 e 1989 foram causados por armas de fogo, destacando-se as cidades do
Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte. Já no ano de 1989, as cidades de
Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Curitiba demonstraram decréscimo nos
homicídios por este instrumento, com ressalvas à cidade do Rio de Janeiro, em
virtude de prejuízos na qualidade da informação.
A
pesquisa ainda aborda o impacto que as armas de fogo têm no cenário das mortes
violentas, contribuindo para o aumento das mortes de modo geral. A autora
levanta ainda a discussão desse impacto nos Estados Unidos e cita Mercy et al.
(1993), os quais demonstram que este instrumento tem um papel fundamental no
crescimento das taxas de mortes violentas naquele país e que a presença de uma
arma de fogo aumenta a probabilidade de que um ou mais participantes de um
conflito sejam mortos.
A autora conclui
comentando sobre a dificuldade de refletir sobre a complexidade que envolve o
tema da violência no Brasil e sobre a obrigatoriedade de contextualização dos
dados analisados. Citando Minayo e Souza, a autora ainda elenca a consolidação
da organização do crime, a consolidação dos grupos de extermínio e o aumento da
pobreza e da miséria urbana como fatores que ajudam e explicar esse aumento da
violência no período. Destaca que devem ser analisados sob a ótica da sinergia
entre estes fatores e a violência estrutural das desigualdades sociais. A
autora ainda relaciona a mudança no perfil da criminalidade com as mudanças nas
relações sociais cotidianas, fazendo emergir fenômenos como o enclausuramento e
a posse de arma como meio de proteção.
Por fim, Souza conclui
falando da necessidade de medidas preventivas urgentes em capitais como Recife,
Salvador e Rio de Janeiro, como forma de evitar que faixas etárias cada vez
mais jovens sejam afetadas pela violência.
A nosso ver, a autora poderia ter trabalhado com os
dados de gastos da saúde pública no mesmo período, associando o custo deste
recrudescimento da violência relatado no período de estudo, apresentando um
quadro realista de quanto a sociedade vem pagando, em termos financeiros, pela
inércia do Estado em cuidar do problema em suas causas, e não apenas nas
consequências. Ainda assim, este trabalho é de extrema relevância, pois apresenta
um retrato consistente da violência e suas consequências para o país.