quarta-feira, 27 de março de 2013

Brasil: um país de todos, para poucos e de muitas piadas infelizes!



Na semana passada, alguns acontecimentos que acariciaram minha índole inquieta voltaram novamente a minha atenção para assuntos de caráter sociais, filosóficos e piadísticos. Vou retalhar alguns fatos.
1. O primeiro deles, social e sério, só pra constar em poucas palavras, diz respeito à saúde de um amigo e ex-professor meu da faculdade, que publicou inúmeros apelos no facebook às autoridades acreanas para fazer valer o que está previsto na Constituição Brasileira no tocante ao direito à saúde, direito esse que até agora não lhe foi completamente assegurado. Cardiopata, ele tem lutado incessantemente para se manter em pé, haja vista necessitar de medicação especial fornecida pelo Estado, que nem sempre dispõe do medicamento e, quando o tem, só lhe cede pela metade. Não fosse a esperteza do Estado, o meu amigo não precisaria passar por este perrengue. Não fosse a caridade de alguns médicos, que vez ou outra lhe cedem amostras grátis da medicação, ele estaria em situação bem mais delicada... O que fazer?
2. Esses dois próximos fatos – por serem tão desimportantes para mim como eu creio que o são para as pessoas que igualmente pensam como eu e não se ligam em coisas de menor importância ou de péssima qualidade – eu vou juntar num tópico só, só para economizar espaço e não perder a piada, pois não merecem tanta atenção assim (acho que já estou dando até atenção demais por me ocupar em escrever essas poucas linhas sobre eles). Primeiramente, refiro-me ao futebol de qualidade duvidosa com o qual nos agraciaram aquelas que já foram as melhores equipes do mundo: Brasil e Itália. O que foi aquilo? Não fazem jus ao que ganham! Aliás, ganham demais pro que fazem. Quem dera fossem esses salários os dos professores do nosso Brasil. Em segundo lugar, não consigo entender tanta audiência ao último paredão do Big Brother. Isso é um carnaval piorado! O que é isso, meu povo?! Que abestalhação é essa?! Existem programas mais proveitosos! É sério! Até mesmo na televisão brasileira. Se não há, desligue a televisão e vá procurar o que fazer! Vá ler um livro, pronto! E por falar nisso, você já leu algum livro este ano?! Educação e cultura não fazem mal a ninguém!...
3. Outro fato faz referência à nossa cultural falha de caráter, também conhecido como o velho jeitinho brasileiro de se dar bem em tudo. Há alguns dias, eu e minha esposa fomos convidados para sermos padrinhos de uma linda menina filha de um casal de amigos. Por ocasião de uma solenidade para preparação da cerimônia de batismo, os pais da menina nos disseram que tínhamos que levar algo para comer no intervalo da reunião! Eles fariam o mesmo, e os outros casais também. No dia da tal reunião, levamos um bolo e uma bandeja descartável, e os nossos amigos levaram um bolo mais elaborado em uma bandeja acrílica transparente. Deixamos tudo na cozinha da igreja, juntamente com as outras guloseimas trazidas pelos outros casais de pais e padrinhos. Participaríamos da missa. Após a missa, nos reuniríamos na cozinha para o lanche, e aí daríamos início a “Curso de Padrinhos”. Foi então que veio a surpresa: vejam que achado... ou perdido, como queiram!: na hora do lanche, procuramos pelos bolos que havíamos trazido, queríamos experimentar, mas... era como se eles nunca tivessem sido postos ali na mesa... não sabiam onde tinham ido parar... ninguém os vira. Perguntamos então pela bandeja, não a descartável, mas a acrílica pelo menos, utensílio dos nossos futuros compadres. Que bandeja? Esta foi a resposta! Em meio a toda aquela gente, foi travado esse diálogo constrangedor. Mais tarde descobriu-se que os bolos, talvez por serem os mais elaborados, tinham sido dali retirados para serem vendidos pelos jovens do grupo de jovens à frente da igreja enquanto assistíamos à missa dominical. Mesquinhez nossa? De modo algum! Tudo foi feito com a melhor das intenções, é claro! E nós não duvidados disso! De boas intenções as igrejas também estão cheias, e bem assim estão também os corações dos jovens! Mas e a bandeja acrílica? Onde ela foi parar? Será que a venderam também com boa intenção?
Piada? Não!... É sério! É grave! Se me permitem a má comparação: e ainda dizem que os jovens são o futuro do Brasil! Certamente, darão ótimos políticos! E será plenamente justificável a nossa política, considerando o nosso caráter! Nem adianta reclamar!
Pra finalizar este texto revoltante:
É por essas e outras que é sempre válido dizer que o mundo é dos mais espertos... – do Estado, que não cumpre o seu dever constitucional; das emissoras de televisão, que ganham dinheiro seduzindo e fazendo sonhar os bobos; e dos espertos mesmo, que esses se viram em qualquer situação – ... se fosse dos mais inteligentes e retos, pouca gente ia se dar bem na vida, e eu ia estar rico, menos de modéstia e humildade...
Tudo bem, tudo bem, desculpem-me o desaforo, mas é que, às vezes, dá vontade de ir à forra e dizer umas verdades, mas como diz um amigo meu, “Nem todas as verdades são para todos os ouvidos”. Pois num país onde se dá mais valor a futebol, carnaval, Big Brother, bundas e redações com português de péssima qualidade salpicadas de receita de miojo e hino do Palmeiras, não se pode mesmo esperar que se dê o devido valor à saúde, à educação, à retidão de caráter e aos princípios morais e religiosos, enfim, às coisas de boa qualidade e que engradecem o ser humano.
Bom feriado de Semana Santa a todos!


Wallace Rocha

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Minha mãe é impagável




Todo filho tem uma mãe que o bajule, o admire, o endeuse... afinal um filho é..., por falta de palavra mais adequada, é tudo para uma mãe. Ora!, comigo não seria diferente (convencido, eu!). Nesse caso específico, porém, quero registrar que esses sentimentos também fazem o caminho inverso, pois sou eu (descobri isso na maturidade) quem a admira e a endeusa, isso por seu jeito debochado e irreverente dos seus 70 anos e que não guarda mais reserva alguma ao falar, despachando algumas tiradas que, se não escandalizam, à moda da saudosa Dercy, fazem doer a barriga de tanto rir. Vejam bem essa história.
Minha irmã, para quem, como se diz, não há tempo ruim, já teve várias ocupações. Atualmente trabalha com a arte da estética, especialmente no trato com couros cabeludos... de todas as espécies! Como ainda não dispõe de lugar apropriado para os afazeres da sua nova ocupação, costuma atender nos domicílios das clientes e, quando o trabalho é um pouco mais delicado e reservado e lhe falta tempo para deslocamento, costuma atender em casa, no seu próprio quarto, cuidando da depilação de couros cabeludos mais delicados, em regiões mais pudendas de algumas senhoras e moçoilas vaidosas.
Pois bem. Outro dia estava minha irmã no quarto de casa a fazer uma caridade, depilando uma amiga naquela região e adjacências cobiçadíssimas pelos homens machos do sexo masculino, quando na primeira puxada da cera a menina disparou um grito quase agonizante.
Da sala, minha mãezinha, muito mais curiosa do que assustada, perguntou:
— Que arrumação é essa aí dentro?
Ao que minha irmã respondeu:
É que eu tô fazendo o contorno da fulana, mãe!
— E o que diabo é contorno, menina?
É que eu tô depilando o “frasco” dela, mãe... – e enfatizou – o “frasco”!
Minha mãe, passada de curiosidade, mas inocente, tornou a perguntar:
— E o que diabo é frasco?
Minha irmã, incomodada com a insistência das perguntas, descreveu logo a sua arte com as poucas letras que podia:
É o cu, mãe! O cu!
Ao que disparou a minha mãe, sem cerimônia alguma com as palavras:
— Vôte! Bela profissão essa que tu arrumou agora de descabelar o cu dos outros!
Depois dessa, ninguém se segurou! RS! E a profissão da minha irmã?... Ora!, virou sucesso! Pois pelo pouco que eu sei da humanidade – ainda que uns nasçam sem cérebro, e outros, havendo-o, insistam em não usá-lo – certo é que todos nascem com cabeça e com cu... e com cabelo nesses dois lugares. Então emprego pra ela e dinheiro no bolso é que não vão faltar.
E eu vou dizer mais o quê? Repreender a minha mãe de 70 anos pelo seu palavreado? Jamais! Vivas a ela! E que continue nos divertindo ainda por muitos anos.
Wallace Rocha

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Namorando com o suicídio



Por J. R. Guzzo

Se nada piorar neste ano de 2013, cerca de 250 policiais serão assassinados no Brasil até o dia 31 de dezembro. É uma história de horror, sem paralelo em nenhum país do mundo civilizado. Mas estes foram os números de 2012, com as variações devidas às diferenças nos critérios de contagem, e não há nenhuma razão para imaginar que as coisas fiquem melhores em 2013 - ao contrário, o fato de que um agente da polícia é morto a cada 35 horas por criminosos, em algum lugar do país, é aceito com indiferença cada vez maior pelas autoridades que comandam os policiais e que têm a obrigação de ficar do seu lado. A tendência, assim, é que essa matança continue sendo considerada a coisa mais natural do mundo - algo que "acontece", como as chuvas de verão e os engarrafamentos de trânsito de todos os dias.
Raramente, hoje em dia, os barões que mandam nos nossos governos, mais as estrelas do mundo intelectual, os meios de comunicação e a sociedade em geral se incomodam em pensar no tamanho desse desastre. Deveriam, todos, estar fazendo justo o contrário, pois o desastre chegou a um extremo incompreensível para qualquer país que não queira ser classificado como selvagem. Na França, para ficar em um exemplo de entendimento rápido, 620 policiais foram assassinados por marginais nos últimos quarenta anos - isso mesmo, quarenta anos, de 1971 a 2012. São cifras em queda livre. Na década de 80, a França registrava, em média, 25 homicídios de agentes da polícia por ano, mais ou menos um padrão para nações desenvolvidas do mesmo porte. Na década de 2000 esse número caiu para seis - apenas seis, nem um a mais, contra os nossos atuais 250. O que mais seria preciso para admitir que estamos vivendo no meio de uma completa aberração?
Há alguma coisa profundamente errada com um país que engole passivamente o assassínio quase diário de seus policiais - e, com isso, diz em voz baixa aos bandidos que podem continuar matando à vontade, pois, no fundo, estão numa briga particular com "a polícia", e ninguém vai se meter no meio. Essa degeneração é o resultado direto da política de covardia a que os governos estaduais brasileiros obedecem há décadas diante da criminalidade. Em nenhum lugar a situação é pior do que em São Paulo, onde se registra a metade dos assassinatos de policiais no Brasil; com 20% da população nacional, tem 50% dos crimes cometidos nessa guerra. É coisa que vem de longe. Desde que Franco Montoro foi eleito governador, em 1982, nas primeiras eleições diretas para os governos estaduais permitidas pelo regime militar, criou-se em São Paulo, e dali se espalhou pelo Brasil, a ideia de que reprimir delitos é uma postura antidemocrática - e que a principal função do estado é combater a violência da polícia, não o crime. De lá para cá, pouca coisa mudou. A consequência está aí: mais de 100 policiais paulistas assassinados em 2012.
O jornalista André Petry, num artigo recente publicado nesta revista, apontou um fato francamente patológico: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, conseguiu o prodígio de não comparecer ao enterro de um único dos cento e tantos agentes da sua polícia assassinados ao longo do ano de 2012. A atitude seria considerada monstruosa em qualquer país sério do mundo. Aqui ninguém sequer percebe o que o homem fez, a começar por ele próprio. Se lesse essas linhas, provavelmente ficaria surpreso: "Não, não fui a enterro nenhum. Qual é o problema?". A oposição ao governador não disse uma palavra sobre sua ausência nos funerais. As dezenas de grupos prontos a se indignar 24 horas por dia contra os delitos da polícia, reais ou imaginários, nada viram de anormal na conduta do governador. A mídia ficou em silêncio. É o aberto descaso pela vida, quando essa vida pertence a um policial. É, também, a capitulação diante de uma insensatez: a de ficar neutro na guerra aberta que os criminosos declararam contra a polícia no Brasil.
Há mais que isso. A moda predominante nos governos estaduais, que vivem apavorados por padres, jornalistas, ONGs, advogados criminais e defensores de minorias, viciados em crack, mendigos, vadios e por aí afora, é perseguir as sua próprias polícias - com corregedorias, ouvidorias, procuradorias e tudo o que ajude a mostrar quanto combatem a "arbitrariedade". Sua última invenção, em São Paulo, foi proibir a polícia de socorrer vítimas em cenas de crime, por desconfiar que faça alguma coisa errada se o ferido for um criminoso; com isso, os policiais paulistas tornam-se os únicos cidadãos brasileiros proibidos de ajudar pessoas que estejam sangrando no meio da rua. É crescente o número de promotores que não veem como sua principal obrigação obter a condenação de criminosos; o que querem é lutar contra a "higienização" das ruas, a "postura repressiva" da polícia e ações que incomodem os "excluídos". Muitos juízes seguem na mesma procissão. Dentro e fora dos governos continua a ser aceita, como verdade científica, a ficção de que a culpa pelo crime é da miséria, e não dos criminosos. Ignora-se o fato de que não existe no Brasil de hoje um único assaltante que roube para matar a fome ou comprar o leite das crianças. Roubam, agridem e matam porque querem um relógio Rolex; não aceitam viver segundo as regras obedecidas por todos os demais cidadãos, a começar pela que manda cada um ganhar seu sustento com o próprio trabalho. Começam no crime aos 12 ou 13 anos de idade, estimulados pela certeza de que podem cometer os atos mais selvagens sem receber nenhuma punição; aos 18 ou 19 anos já estão decididos a continuar assim pelo resto da vida.
Essa tragédia, obviamente, não é um "problema dos estados", fantasia que os governos federais inventaram há mais de 100 anos para o seu próprio conforto - é um problema do Brasil. A presidente Dilma Rousseff acorda todos os dias num país onde há 50 000 homicídios por ano; ao ir para a cama de noite, mais de 140 brasileiros terão sido assassinados ao longo de sua jornada de trabalho. Dilma parece não sentir que isso seja um absurdo. No máximo, faz uma ou outra reunião inútil para discutir "políticas públicas" de segurança, em que só se fala em verbas e todos ficam tentando adivinhar o que a presidente quer ouvir. Não tem paciência para lidar com o assunto; quer voltar logo ao seu computador, no qual se imagina capaz de montar estratégias para desproblematizar as problematizações que merecem a sua atenção. Não se dá conta de que preside um país ocupado, onde a tropa de ocupação são os criminosos.
Muito pouca gente, na verdade, se dá conta. Os militares se preocupam com tanques de guerra, caças e fragatas que não servem para nada; estão à espera da invasão dos tártaros, quando o inimigo real está aqui dentro. Não podem, por lei, fazer nada contra o crime - não conseguem nem mesmo evitar que seus quartéis sejam regularmente roubados por criminosos à procura de armas. A classe média, frequentemente em luta para pagar as contas do mês, se encanta porque também ela, agora, começa a poder circular em carros blindados; noticia-se, para orgulho geral, que essa maravilha estará chegando em breve à classe C. O número de seguranças de terno preto plantados na frente das escolas mais caras, na hora da saída, está a caminho de superar o número de professores. As autoridades, enfim, parecem dizer aos policiais: "Damos verbas a vocês. Damos carros. Damos armas. Damos coletes. Virem-se."
É perturbadora, no Brasil de hoje, a facilidade com que governantes e cidadãos passaram a aceitar o convívio diário com o mal em estado puro. É um "tudo bem" crescente, que aceita cada vez mais como normal o que é positivamente anormal - "tudo bem" que policiais sejam assassinados quase todos os dias, que 90% dos homicídios jamais cheguem a ser julgados, que delinquentes privatizem para seu uso áreas inteiras das grandes cidades. E daí? Estamos tão bem que a última grande ideia do governo, em matéria de segurança, é uma campanha de propaganda que recomenda ao cidadão: "Proteja a sua família. Desarme-se". É uma bela maneira, sem dúvida, de namorar com o suicídio.

Fonte: Revista Veja, edição 2306, 30 de janeiro de 2013