terça-feira, 28 de outubro de 2014

Missa de sétimo dia


Para não dizer que nasci pobre – já que a vida é uma dádiva divina e, portanto, uma riqueza – vou dizer que nasci simples. Nasci simples, filho de pais simples, sem posses senão também a vida, sem instrução formal, mas com um orgulho tão grande de serem honestos e tão enorme convicção de autossuficiência que aparentava uma insana coerência. Não eram mais que idealistas. Quando eu me entendi por gente, isso me assustou, assim como até hoje se assustam os que têm a oportunidade de me conhecer, pois saí aos meus pais.
Sim, sei, tenho falhas, admito, mas cresci, estudei, procurei meu lugar ao sol, não enriqueci – nem quero – mas mudei minha condição social e nunca precisei me render ao relativismo moral que hoje impera no país e no Estado e que, infelizmente, tive o desprazer de experienciar bem de perto nessas eleições. O que era pra ser um exercício de democracia acabou se tornando um palco de imoralidades.
Durante minha criação, no pouco tempo em que meu pai esteve presente, ele fez o que pôde, e se mais não fez foi por fraqueza ou pobreza de espirito, não por falta de oportunidade. Mas nunca fez ou deixou de fazer algo por imoralidade. Minha mãe não me educou com dinheiro – não tínhamos – mas me educou com honra, e isso vale mais do que qualquer 30 moedas. Embora precisássemos, minha mãe nunca aceitou benefício de quem quer que fosse. Como ela dizia, tinha pernas, braços e saúde pra trabalhar. E trabalhou como pôde, conseguiu o emprego que sua educação lhe permitiu, mas nunca aceitou esmola de ninguém. Com essa ideologia cresci, e é essa mesma consciência social que pretendo passar aos filhos que ainda terei.
Infelizmente, o cenário que se nos apresenta hoje no país é de decadência cultural e educacional, de valores éticos e morais degenerados, em que vale tudo para se manter no poder. Os argumentos são sempre os mesmos: “Não é assistencialismo...”; “Governamos para os pobres...”; “Apoiamos as minorias...”; “A vida vai melhorar”; “Eles estão contra nós”. O reforço incansável dessas úteis mentiras é ratificado ainda mais pelo embotamento do intelecto das massas, pelo agrado do Deus de Aristófanes e pela mitificação da bondade populista. Não passam de uma legião de viciados políticos, sanguessugas, oportunistas, preguiçosos, pobres ou não, instruídos ou não, de desqualificados querendo se dar bem, mas que se igualam no mesmo vício político e constroem um hábito que degenera e causa prejuízo não só a eles, mas também a mim, à nação; mas sou eu que, sendo economicamente ativo, trabalho, produzo, tenho que pagar por isso.
A meu ver, essa colonização é uma mazela muito mais nefasta do que qualquer doença biológica, pois é ideológica e social, prostitui o indivíduo, a nação. Porém, pior do que ser um desgraçado-ignorante-colonizado é ser um educado-idiota-medíocre-prostituído que se vende e vende a família, a mulher e os filhos, o seu bem mais precioso. É todo esse tipo de gente que destrói um país.
Essa mitificação do “governo salvador dos pobres” só poderá gerar uma nação de parasitas, pois institucionalizará a hipocrisia, moldará caráteres, favorecerá o surgimento de uma nação de medíocres, cujo lema será a corrupção como norte para a sobrevivência. Poderá chegar o dia em que dirão: “Ame-nos ou morra!”
Se não me calo e assim me expresso, perdoe-me o leitor, é porque entendo que cada vez que você abdica do seu direito de protesto, dos seus direitos e deveres constitucionais como cidadão e agente público, você nega os seus valores pessoais e profissionais nos quais acredita e, assim, acaba contribuindo omissivamente para a degradação dos valores morais da sociedade na qual você está inserido. Não pretendo – não sou inocente a este ponto – salvar o mundo, mas também não me empurrem goela abaixo – também não sou tão ignorante – a verdade de vocês. Já sei construir as minhas próprias verdades que, como diria um amigo meu, “não são para todos os ouvidos”.
Enquanto escrevia esse texto, assistia a um jornal numa emissora local de João Pessoa, PB, e o repórter dizia que nove! – isso mesmo – nove pessoas haviam sido assassinadas em 24 horas na região metropolitana da capital. Conclusão? Isso não me admira nem me consterna. A propósito, consterna-me muito mais saber que no último domingo (26.10.2014), em menos de 12 horas, 196.509 (cento e noventa e seis mil e quinhentos e nove pessoas!) morreram moralmente no meu Estado, o ACRE! Plácido de Castro parece ter lutado por nada e deve estar se retorcendo no túmulo.
Mesmo correndo o risco de cair no lugar comum, devo dizer que estou sentindo vergonha alheia. Na atual conjuntura, a ignorância, a mediocridade e a arrogância podem cegar... e até matar; pois quando gritarem: "O rei está nu!", aí já vai ser tarde demais. O Acre já terá feito jus ao rótulo pelo qual é conhecido no Brasil: não vai mais existir!
          Resta-me ainda uma esperança: gostaria de estar errado!


Wallace Rocha
João Pessoa – PB, Outubro de 2014