terça-feira, 6 de maio de 2014

Homicídios no Brasil - impactos na saúde pública

SOUZA, E. R. Homicídios no Brasil: O Grande Vilão da Saúde Pública na Década de 80. Cad. Saúde Públ., Rio de janeiro, (suplemento 1): 45-60, 1994.


RESENHA


Marta Renata Freitas Alves
Manoel Jorge da Silva Sousa
Edvan da Silva Rogério
Marilena Costa Chaves
Kleison José Oliveira de Albuquerque
Francisco Wallace da Rocha Neto


Já faz algum tempo que a violência no Brasil tem sido tema recorrente no meio acadêmico e nos mais diversos segmentos da sociedade. No artigo “Homicídios no Brasil: O Grande Vilão da Saúde Pública na Década de 80”, resultado de pesquisa realizada no Brasil, e publicado no Caderno de Saúde Pública, cidade do Rio de Janeiro, a autora Edinilsa R. de Souza aborda o fenômeno da violência no Brasil na década de 80, período em que foi possível observar um aumento significativo de acidentes de trânsitos e de trabalho, suicídios, homicídios e outras mortes violentas, o que ocasionou prejuízo considerável à saúde pública brasileira.
Com foco especial nos crimes de homicídio e acidentes de trânsito, segundo a autora os grandes vilões e principais responsáveis pelo maior impulso da violência na mortalidade da população brasileira, demonstra-se o impacto desses crimes na Saúde Pública no país na década de 80, no período de transição histórica ditadura/democracia, em que houve mudanças políticas positivas, como “a aquisição de uma maior liberdade de expressão, organização e direitos democráticos”, e transformações socioeconômicas com ressonâncias negativas, como a intensificação das desigualdades sociais e a socialização da miséria.
No intuito de ter uma noção clara dos impactos causados pelos homicídios na saúde pública no Brasil, especificamente na década de 80, são analisados dados estatísticos fornecidos pelo Ministério da Saúde, onde se buscou estabelecer as taxas de mortalidade proporcional, segundo sexo e faixa etária dos envolvidos, levando-se em conta o conjunto do país e das capitais de regiões metropolitanas com base em tabelas e gráficos apresentados.
Durante o estudo é dada ênfase às causas de óbito e de homicídios, destacados em subgrupos, como é o caso dos homicídios causados por arma de fogo. Vale ressaltar que o estudo busca ainda analisar a qualidade das informações obtidas, uma vez que, em alguns casos, não se sabia as reais causas dos óbitos, o que no estudo analisado foi denominado de “homicídios por arma de fogo ignorados”. Pertinente a esse grupo foram observadas sérias distorções nas estatísticas quanto à causa básica de morte no Rio de Janeiro.
Souza nos apresenta dados que demonstram o crescimento vertiginoso das “mortes violentas por homicídios”, que no início da década de 80 se encontravam na quarta posição da mortalidade geral do país, e no final da década saltou de forma expressiva para a segunda posição. Explica também que esse perfil não acontece de forma homogênea, sendo verificada expressiva diferença entre as mortes de indivíduos do sexo masculino, que chegaram a representar, em 1988, onze vezes a quantidade de morte de indivíduos do sexo feminino.
As mortes violentas ainda são analisadas de acordo com a faixa etária das vítimas, cujo maior risco, na apreciação de Souza, se encontra nas faixas de 20-39 e 50-59 anos, entre indivíduos do sexo masculino, índice que representa um risco treze vezes maior que os índices registrados entre os indivíduos do sexo feminino no período em estudo. Considerando os dados gerais, o índice mais alto se encontra “nas faixas de 10-14 anos (79,5%) e 15-19 anos (45,3%)”.
A pesquisa também mostra que os anos de vida perdidos por morte violenta no Brasil são maiores se comparados aos EUA, tanto em termos gerais como por sexo, indicando que no Brasil as mortes violentas acontecem em pessoas mais jovens. Souza ainda apresenta dados comparativos entre as regiões do Brasil, detalhando as variáveis que ocorreram no período em cada capital ou região metropolitana. A autora demonstra através de gráficos que entre 1980 e 1989, as taxas de homicídios no Brasil tiveram um aumento de 193,9%, sendo Salvador a capital do país que apresenta a situação mais preocupante, com crescimento da ordem de 1.046,7% no período. Destaca também que na Região Sul, embora Curitiba e Porto Alegre apresentem-se com um nível de crescimento nas taxas de homicídios, ainda se encontram abaixo da média nacional.
A pesquisadora afirma também que a maioria dos homicídios no Brasil entre os anos de 1980 e 1989 foram causados por armas de fogo, destacando-se as cidades do Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte. Já no ano de 1989, as cidades de Belém, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Curitiba demonstraram decréscimo nos homicídios por este instrumento, com ressalvas à cidade do Rio de Janeiro, em virtude de prejuízos na qualidade da informação.
A pesquisa ainda aborda o impacto que as armas de fogo têm no cenário das mortes violentas, contribuindo para o aumento das mortes de modo geral. A autora levanta ainda a discussão desse impacto nos Estados Unidos e cita Mercy et al. (1993), os quais demonstram que este instrumento tem um papel fundamental no crescimento das taxas de mortes violentas naquele país e que a presença de uma arma de fogo aumenta a probabilidade de que um ou mais participantes de um conflito sejam mortos.
A autora conclui comentando sobre a dificuldade de refletir sobre a complexidade que envolve o tema da violência no Brasil e sobre a obrigatoriedade de contextualização dos dados analisados. Citando Minayo e Souza, a autora ainda elenca a consolidação da organização do crime, a consolidação dos grupos de extermínio e o aumento da pobreza e da miséria urbana como fatores que ajudam e explicar esse aumento da violência no período. Destaca que devem ser analisados sob a ótica da sinergia entre estes fatores e a violência estrutural das desigualdades sociais. A autora ainda relaciona a mudança no perfil da criminalidade com as mudanças nas relações sociais cotidianas, fazendo emergir fenômenos como o enclausuramento e a posse de arma como meio de proteção.
Por fim, Souza conclui falando da necessidade de medidas preventivas urgentes em capitais como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, como forma de evitar que faixas etárias cada vez mais jovens sejam afetadas pela violência.

A nosso ver, a autora poderia ter trabalhado com os dados de gastos da saúde pública no mesmo período, associando o custo deste recrudescimento da violência relatado no período de estudo, apresentando um quadro realista de quanto a sociedade vem pagando, em termos financeiros, pela inércia do Estado em cuidar do problema em suas causas, e não apenas nas consequências. Ainda assim, este trabalho é de extrema relevância, pois apresenta um retrato consistente da violência e suas consequências para o país.