terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Humildade é tudo, mas ter consciência do que somos e o que fazemos disso é mais tudo ainda!



         Um amigo (sou cheio de amigos instrutivos) me veio perguntar se eu não tinha orgulho de ser o que eu era, de ser, segundo ele, uma autoridade, o que me dava, como dava também a outros, ainda segundo ele, certas prerrogativas para ajudar “os amigos” como... Ah!... deixa pra lá... tenho até vergonha de repetir o que ele disse. Fiquei calado e pensei: “Não vou envergonhar esse cara.” Então lhe dei um tapinha nas costas, saí e fui embora.
Mas agora vai aí uma resposta razoável:
        Para começar, orgulho não se deve ter de nada nessa vida. Pois somos apenas humanos, e com os padrões morais de hoje isso já não é lá grande coisa, dadas as nossas falhas e imperfeições.
Como se pode ter orgulho do que somos se a nossa frase predileta é (imagino que era isso que ele esperava de mim após o elogio cheio de más intenções que fez): “Deixe que eu vou dar um jeitinho”?
Como se pode ter orgulho de se apresentar amigo, fazer um elogio e já ir logo pensando em tirar vantagens?
Como se pode ter orgulho de se dizer sincero e tramar contra o seu próximo, seja em casa, na escola ou no trabalho?
Como se pode ter orgulho de ser o que se é e fazer uso de subterfúgios para fazer valer a sua suposta condição de autoridade para tentar “contornar algum imperativo legal”, por exemplo, transacionar com “um amigo” para esquivar-se de uma multa de trânsito oferecendo ou recebendo dinheiro?
            Como se pode ter orgulho de achar que o honesto é um paspalho e o malandro é que é ”o cara”, num país onde impera o jeitinho brasileiro e a corrupção como estilo de vida?
Enfim! Graças a Deus eu não sou assim como ele pensa que eu deveria ser. Mas certamente se tivesse ouvido isso, teria sido ele a se calar, despedindo-se, e ido embora. Teria ficado envergonhado. Talvez até pensasse que eu estivesse a falar dele.
De qualquer modo, o comentário dele me deixou outra ideia daquilo de que vale a pena ter orgulho. E aí vão algumas pinceladas do que penso, só pra destacar alguns exemplos:
            Orgulho mesmo se deve ter quando se é acima de tudo sério, honesto, ético.
Orgulho mesmo se deve ter quando se tem consciência do que você é e como poderá contribuir para melhorar o mundo, ou pelo menos a sua realidade.
Orgulho mesmo se deve ter quando se pode ser útil para si, sem prejudicar os outros e a sociedade em que vive, e quando lhe passarem o troco errado, ainda que seja a ínfima quantia de R$ 0,50 (cinquenta centavos), você deve entender que tem a obrigação moral de devolver.
Orgulho mesmo se deve ter quando se notar, na sociedade em que vive, meio deslocado dos valores morais que te cercam, pois há muito já vivemos o que dizia Rui Barbosa:  “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chaga a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, e a ter vergonha de ser honesto.”
            Entenderam agora porque eu nada respondi no momento. Poupei o meu amigo de duas vergonhas.
Mas pra finalizar, a propósito do orgulho que acabei de defender, devo dizer que esse orgulho tem que ser comedido, para que não percamos a humildade, pois no fim das contas, como diz minha mãezinha em sua empírica sabedoria e português nada ortodoxo, mas que passa uma mensagem que dispensa explicações: “Somo tudo comedor de farinha, cagamo e mijamo como todo mundo, e vamo morrer tudo do mermo jeito, como todo mundo morre. E pronto!”
Orgulhar-se de que, então, se não passamos de NADA
            Essa, sim, é minha mais simples lição de humildade.


Wallace Rocha




terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Falando de ideia e opinião - crer ou não crer: eis a questão!



Outro dia eu conversava com um amigo sobre a existência de Deus. Ele (refiro-me ao amigo), filósofo e ateu convicto, argumentou que se Deus existisse não haveria tanta iniquidade e injustiças no mundo, pois se Deus é, como dizem, o senhor de todas as coisas, Ele (refiro-me agora a Deus) poderia muito bem impedir que atrocidades e injustiças acontecessem. Deveria, como Deus que é, impedir que os homens, criação Sua e, portanto, sob Seu julgo, cometessem qualquer MAL, já que tanto se fala ser Ele um Deus do BEM. Se isso não ocorre, e sabemos mesmo que não ocorre, logo Deus não existe!
Analisando grosso modo a sua argumentação, inicialmente foi fácil perceber nela certa lógica. Porém, se levarmos em conta que o meu amigo é muito mais ateu convicto do que filósofo, poderíamos inferir o seguinte: a proposta de sua argumentação é tendenciosa, unilateral, pois meu amigo tem opinião formada, mostra-se sempre irredutível acerca de temas religiosos, usa sempre argumentos favoráveis às suas conveniências e ao seu entendimento das coisas e certamente, caso lhe seja proposta, NÃO aceita argumentação contrária, principalmente se a argumentação for também de caráter religioso, que embora não prescinda de lógica, baseia-se muito mais em conceitos dogmáticos, fé, simplesmente FÉ, do que em qualquer outra coisa, e a fé ele notadamente não deve apreciar, pois ainda não deve ter tido as suas experiências que colocariam por terra os seus frágeis conceitos de ateísmo.
Partindo desse ponto de vista, vamos a uma argumentação mais laica. A meu ver, culpar Deus pelo mal que nós mesmos fazemos só para justificar a existência de Deus seria como culpar nossos pais por nossos maus passos na vida, e assim sucessivamente na ascendência em linha reta. Em exemplo mais didático, seria como culpar um pai por um homicídio cometido por seu filho penalmente imputável, só para provar que o pai existe. Mas tentar convencê-lo de que a lógica do meu argumento é igual à lógica do dele seria, creio eu, pedir demais para uma cabeça tão dura.
Para estender ainda mais a discussão, que acredito valiosa, vamos pegar carona no mote de Voltaire, que dizia: “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”. Pra mim, não há nada mais justo do que isso. Mas isso que eu entendo justo não me permite afirmar que todos os meus amigos ou inimigos devem ou possam pensar assim como eu ou mesmo acreditar na frase de Voltaire como eu. Concordam? Não? Tudo bem! Não faz mal.
O que digo é que há pessoas que pensam que os outros são obrigados a concordar com suas ideias, opiniões e crenças e, se não pensarem igual, estão erradas. Só posso tirar daí duas conclusões infelizes: ou o indivíduo é muito cabeça dura, ignorante, ou é autoritário mesmo para querer impor a sua vontade sobre os demais. Contudo, tenho também que admitir a possibilidade de haver quem discorde do que eu acabo de dizer. Creio ser isso o justo.
Para adubar um pouco mais a matéria, devo acrescentar ainda que tenho eu próprio outra teoria no tema que agora desenvolvo e que o leitor lê, portanto mais de uma ideia ou opinião sobre a mesma coisa, e isso não atrapalha o meu viver. Ao iniciar a proposta de desenvolver o texto, apenas escolhi uma linha, mas não descarto as outras possibilidades. Por que então não aceitar a opinião do outro, que é apenas diferente da nossa, não melhor ou pior, mais válida ou menos válida?
E apimentando ainda mais o tema, vejamos: concordo com tudo e acredito em tudo que vem da mente humana, isso só vai depender do humano e das circunstâncias e conveniências do momento para ajustar tudo e agradar a todos. Assustam-se? Calma! Ironias à parte, se olharem bem, essa é a regra básica da política que impera no país. Mas parece que ninguém contesta. Aliás, todo mundo até gosta. Sabem por quê? Porque essa prática é chamada de jeitinho brasileiro, e alguns de nós, se tiverem oportunidades, farão também. E essa, da minha parte, é apenas outra leitura de cenário, outra opinião, que eu não sigo, mas admito haver quem goste, e como há! Não espero, porém, que me sigam, tampouco quero seguir alguém que aprecie esse tipo de valor, mas uma coisa é certa: devemos nos respeitar, e não querer impor um ao outro o que gostamos, acreditamos ou seguimos.
E a propósito de opiniões, o meu primo Glauco Capper já escreveu um texto curioso: “Maria vai com as outras” (acesse o blog http://26mm.blogspot.com.br/): “existe algo muito importante em tudo isso: há pessoas que usam argumentos que as favorecem, para praticarem coisas que fogem até da decência! Que não seja o caso de ler este artigo e achar que pode fazer tudo que der na telha. Bom senso é um bom termômetro e sempre funciona. Já a opinião dos outros!...” Então vai aí um conselho: não levem meu texto muito a sério! RS!
Porém, como não faz mal algum, vamos a mais um exemplo: outro dia, em uma reunião, me pediram para eu expor minhas ideias. E eu, conhecendo bem o ambiente hostil, tosco e obtuso em que estava, disse: “Expor minhas ideias? Aqui? Pra quem? Pra quê? Expor ideias aqui é um desperdício! Seria como lançar margaritas ante porcum!. Vocês não aceitarão o meu argumento e ainda vão querer me convencer do contrário, ou melhor, me impor o que vocês acreditam”. E então me calei!
Certamente houve quem pensasse de mim o que eu agora penso e digo sobre eles. Arrogante? Autoritário? Talvez. A verdade é que não sei. Também não me importa. O que interessa é que, antes que a discussão pudesse começar, ela acabou. Sem atritos, assim acredito. Com efeito entendi que houve certo respeito a opiniões (não, não estou sendo irônico!), embora elas nem tenham sido expostas, nem as minhas sobre eles, nem as deles sobre mim. Que bom! Creio que desperdiçar um dia com atritos e defesas de opiniões, se a causa não for filosófica, não é salutar à alma humana.
Nesse conceito, entendo que não devemos deturpar o conceito de filosofia, como acredito ter feito o meu amigo e outros tantos que andam por aí a arrotar verdades incontestáveis. Afinal, filosofar é EXPOR ideias... e não IMPOR ideias! E é isso que eu defendo. Mas tudo isso é apenas mais uma opinião de minha parte, o meu entendimento das coisas. A verdade é que não tenho a pretensão de convencer alguém nem de impor a ninguém as minhas verdades. Posso ter seguidores ou opositores, ou quem sabe até perseguidores, mas eles serão pra mim apenas isso. Nada mais!
Entendo também que Ciência é ciência; religião, uma questão de fé: ou você acredita ou não acredita. Einstein, um dos maiores cientistas do mundo, inicialmente ateu, acabou por descobrir Deus dentro do laboratório, e nos deixou um grande ensinamento: "A Ciência sem a religião é manca. A Religião sem a ciência é cega." Eu costumo dizer o seguinte: Se você não consegue entender as duas coisas, os dois conceitos, para fazê-los entrar em harmonia, paciência então! Nesse caso, é melhor se manter ignorante, afinal de contas, a ignorância é mesmo uma bênção!
            O que quero dizer é que, apesar das ciências que aprendemos e que achamos que com elas podemos dominar o mundo e as pessoas, o nosso cérebro deve estar aberto a novas experiências, de modo que possamos encontrar respostas às nossas indagações diárias que nos acompanharão até o nosso último dia na terra. Não podemos nos fechar ao conhecimento de coisas novas ou a novos entendimentos das coisas. Em qualquer lugar e tempo, podemos encontrar inclusive Deus onde menos esperamos. Basta-nos apenas nos despirmos desse véu espesso de preconceitos e ignorâncias de acharmos que porque somos filósofos, historiadores, astrônomos, físicos quânticos ou os pica-da-galáxia, temos que necessariamente ser ateus e não admitirmos um Deus. 
Nosso saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade, num arroubo de lirismo, lógica matemática e fé, nos deixou sua simples prova de reconhecimento de Deus no poema “O Único” que, embora pequeno, faz-se grandioso pela universalidade da mensagem:

“O único assunto é Deus
O único problema é Deus
O único enigma é Deus
O único possível é Deus
O único impossível é Deus
O único absurdo é Deus
O único culpado é Deus
E o resto é alucinação.”

É diante deste pequeno poema que Drummond se revela um filósofo da alma humana e acaba nos revelando sutilmente, nesta interpretação possível, tudo aquilo que não temos coragem de aceitar por não termos ainda capacidade de entender.
Se ao longo da história da humanidade tivéssemos tratado a ciência descartando tudo que não compreendemos, como talvez faça o meu amigo no caso da religião, não teríamos evoluído a tal ponto. Aliás, talvez nem tivéssemos saído da caverna. Do mesmo modo, descartar a existência de Deus só porque nós não o compreendemos ou porque Ele talvez não faça o que queremos para que justifiquemos a nós mesmos, seria aceitar permanecer para sempre na escuridão.
E se existe mesmo um Deus – e eu acredito que existe – que a nós e a tudo criou, que nos ouve e nos vigia agora, certamente Ele está de fato além da nossa compreensão. E isso não nos deve causar nenhum assombramento. É bem possível, pois, que tudo o mais que há sobre Ele, que se crê sobre Ele ou mesmo escrito sobre Ele não passe de mera invenção da mente humana, assim como o poema de Drummond, que nos abre um universo de portas possíveis para onde quer que queiramos ir, pois a vida é aquilo que a gente quer que ela seja, e acreditar em Deus, ao contrário do que se pensa, ou como pensa meu amigo, não é uma questão de lógica cartesiana, mas simplesmente de fé. E fé não se explica.  
Por isso, quando meu amigo me expôs a sua opinião sobre Deus, apenas respeitei o que ele acredita e, embora tenha ele tentado me convencer e engrossar o seu clube, apliquei a ele o mesmo argumento e pedi que ele respeitasse o que eu acredito.
Enfim, decidimos não impor um ao outro qualquer que fosse as nossas crenças ou vontades. Pois como disse Saramago: “Aprendi a não convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito. É uma tentativa de colonização do outro.” Portanto, apenas respeite a opinião do teu próximo. Acho que assim, imagino, devemos viver melhor. Mas isso também é só mais uma opinião.



Wallace Rocha