sexta-feira, 26 de outubro de 2012

"Todas as coisas no mundo são metáforas."



A frase que dá título a esta nota é de Johann Wolfgang Von Goethe, que foi um importante romancista, dramaturgo e filósofo alemão, na verdade um titã da literatura universal. Nasceu na cidade de Frankfurt em 28 de agosto de 1749 e morreu em Weimar,  no dia 22 de março de 1832.
Goethe era formado em Direito e chegou a atuar como advogado por pouco tempo. Como sua paixão era a literatura, resolveu dedicar-se a esta área. Com ecos Renascentistas, abordou em sua obra os mais diversos temas e ideias, principalmente os de caráter humanístico. Foi legítimo representante do Classicismo de Weimar (busca pela imitação do classicismo grego). Também foi precursor do movimento literário alemão conhecido como “Sturm und Drang” (Tempestade e Ímpeto), que antecedeu o Romantismo. Fez parte também de dois movimentos literários importantes: romantismo e expressionismo.
Dentre as suas principais obras, destacamos as três que mais nos encantam:
a. A primeira é Os Sofrimentos do Jovem Werther. Romance escrito em 1774, é considerado pela crítica como uma obra-prima romântica da literatura universal. Trata da vida de Werther, que é tomado por uma paixão profunda, tempestuosa e desditosa por uma jovem já prometida a outro homem. Para Werther, só há um sentido na vida: Charlotte. Não havendo Charlotte, não há porque viver. Werther mergulha tão profundamente nisso, que comete suicídio. Na época, ocorreu uma onda de suicídios entre os jovens europeus que se identificaram e foram Influenciados por esse ultrarromantismo, de tão profundo que Goethe fora em suas palavras e em seu estilo de escrita. Alguns países da Europa chegaram até a impedir a circulação da obra de Goethe.
b. O drama poético Fausto, baseado numa lenda, relata a vida de Dr. Fausto, que vendeu a alma ao diabo em troca de prazeres terrenos, riqueza, poderes ilimitados, e conhecimento, coisa bem similar ao que ocorre hoje em dia. A diferença é que, à época de Goethe, os homens eram mais inteligentes, pois hoje o conhecimento perdeu o seu valor, e tudo roda em torno de um Deus chamado Dinheiro e de outro chamado Poder. Na verdade, Fausto é uma fábula existencial entre o humano e o divino, uma alegoria sobre a vida humana que celebra a humanidade e o individualismo em si.
Dos seus 83 anos de idade, mais de 60 anos foram dedicados a sua obra maior, Fausto, cuja primeira parte foi publicada em 1806, vindo a ser concluído com a publicação da segunda parte em 1832, postumamente.
c. O poema Trost in Tränen, que é dos mais bem elaborados na poesia Goetheana, será apresentado ao fim do texto, no original alemão e na humilde tradução deste blogueiro apaixonado por literatura. Tirem suas conclusões.
Goethe foi clássico, romântico, expressionista, mas acima de tudo, como diria Nietzsche, humano, demasiadamente humano. Seus personagens são de certa forma tão profundos e realistas que nos passam a sensação de realmente terem existido. Talvez por isso mesmo a sua obra ainda hoje encontre ecos em nossa sociedade moderna, com seu eterno retorno às substâncias da qual nós, todos os seres humanos, com todas as suas dualidades, somos feitos. Ele costumava dizer que "A igualdade nos faz repousar. A contradição é que nos torna produtivos." Goethe é hoje considerado o maior escritor alemão.
Vamos ao poema:
Trost in Tränen
Johann Wolfgang von Goethe

Wie kommt’s, dass du so traurig bist,
Da alles froh erscheint?
Man sieht dir’s an den Augen an,
Gewiss, du hast geweint.

“Und hab’ ich einsam auch geweint,
So ist’s mein eigner Schmerz,
Und Tränen fliessen gar so süss,
Erleichtern mir das Herz.”

Die frohen Freunde laden dich,
O komm an uns’re Brust!
Und was du auch verloren hast,
Vertraure den Verlust.

“Ihr lärmt und rauscht und ahnet nicht,
Was mich, den Armen, quält.
Ach nein, verloren hab’ ich’s nicht,
So sehr es mir auch fehlt.”

So raffe denn dich eilig auf,
Du bist ein junges Blut.
In deinen Jahren hat man Kraft
Und zum Erwerben Mut.

“Ach nein, erwerben kann ich’s nicht,
Es steht mir gar zu fern.
Es weilt so hoch, es blinkt so schön,
Wie droben jener Stern.”

Die Sterne, die begehrt man nicht,
Man freut sich ihrer Pracht,
Und mit Entzücken blickt man auf,
In jeder heitern Nacht.

“Und mit Entzücken blick’ ich auf
So manchen lieben Tag;
Verweinen lasst die Nächte mich,
So lang’ ich weinen mag.”


Conforto em Lágrimas
Tradução: Wallace Rocha

Como pode tu estás tão triste,
Enquanto todos parecem felizes?
Pode-se ver em teus olhos
Que certamente choraste.

"Se chorei, chorei em solidão,
Essa é a minha própria dor,
E as lágrimas fluem tão docemente,
Que confortam meu coração."

Os teus amigos, alegres, estão te convidando,
Ah, vamos, então, aos nossos corações!
E deixe o que você perdeu para lá,
Confia a tua perda a nós.

"Tu gritas, me atormenta, e nada sabe,
Quanto a mim, ó pobre atormentado.
Ah, não! Eu não sofri perda alguma,
Por mais que eu também esteja perdido."

Então, levanta-te depressa!
Tu és jovem e cheio de vida.
Na tua idade se tem força
E coragem para dar e vender,

"Oh, não! Não tenho!
O que eu procuro está muito longe.
Habita nas alturas e brilha tanto
Quanto a estrela brilhante".

As estrelas, não podemos alcançar,
Mas nos regozijamos com o seu esplendor,
Com olhar de encantamento,
A cada noite clara e radiante.

"Sim, com olhar de encantamento eu olho
Em muitos dias felizes;
Então, deixe-me passar a noite,
Enquanto eu quiser chorar!"


Wallace Rocha


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Rana et bos: altera fabula



Inops, potentem dum vult imitari, perit.

In prato quondam rana conspexit bovem,
et tacta invidia tantae magnitudinis
rugosam inflavit pellem; tum natos suos
interrogavit an bove esset latior.
illi negarunt. Rursus intendit cutem
maiore nisu, et simili quaesivit modo, 
quis maior esset. Illi dixerunt bovem.
Novissime indignata, dum vult validius
inflare sese, rupto iacuit corpore. 



Morale:
Nec invideat superiori, quod miserum est; nec quod stultitia est, aquare optet.
Invidia et superbia facit hominem pereunt.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Vamos brincar de índio?



                Narram as crônicas eleitorais do município do Jordão, interior do Estado do Acre, que certo candidato, escolado na arte da política eleitoreira, portanto ávido por votos, já se via vitorioso nas eleições municipais daquele ano, uma vez que estava acostumado com a ingenuidade da população urbana local. Porém, como estratégia de campanha ainda mais segura, centrou suas atenções nos votos da comunidade rural da região, predominantemente indígena, pois lhe faltava apenas o apoio dessa gente para sacramentar de vez a vitória, já dada como quase certa.
                Resolveu então fazer campanha fluvial, visitar as aldeias indígenas, conversar com os chefes das tribos... tudo isso no mais descarado estilo de pedir votos; e numa dessas visitas, encontrou os Kaxinawá[1] do Rio Jordão reunidos, parou, procurou o cacique da tribo e pediu-lhe para fazer o velho discurso de campanha, com aquela lábia característica que a nós, os brancos, sempre convence.
                Os índios, como nós, embora já habituados com as vigarices do homem branco, são boa gente hospitaleira e, por isso, o receberam com alegria quase festiva, apertos de mãos, abraços e cumprimentos tribais... e com a mesma hipocrisia a eles dispensada pelo candidato, mas com muito mais classe.
                — Povo Kaxinawá, tô aqui hoje pra pedir o apoio Kaxinawá nas eleição. Como vocês sabe... – começou o redundante aspirante o seu insulto à tribo, num português até aceitável para o nível dos candidatos que se apresentam hoje em dia, mas já demonstrando que não conhecia muito bem a etimologia do termo indígena empregado na frase nem o que ele significava para aquele povo, muito menos as regras de concordância do nosso tão massacrado idioma. Por mais ou menos dez minutos, continuou o blábláblá ferino aos indígenas e ao vernáculo e arrematou o pedido erguendo os dois braços com os punhos cerrados: — Posso contar com o voto Kaxinawá pra gente irmos junto à vitória?! – e esboçou feição de cínica dissimulação à espera de resposta positiva.
Os índios, que haviam estado em silêncio até aquele momento, olharam todos para aquilo e, em seguida, para o cacique, que olhou para o seu povo, fez um sinal com a cabeça, e todos os índios, que conheciam o português e as intenções do candidato talvez um pouco melhor que ele próprio, estamparam no rosto um risinho também cínico, mas contido, ergueram também os braços com os punhos cerrados e, em coro, pronunciaram:
                — Huni kuinman![2]
                O candidato não entendeu patavinas! Mas, embora aflito por entendimento, se fez parecer entendido por aquela fingida inteligência que só os ignorantes explícitos conhecem e dela fazem uso muito bem. Em seguida, só para se certificar, olhou para o cacique, que acenou com a cabeça em sinal positivo, e o pretendente aos votos esboçou de volta um risinho amarelo, acanhado de ignorância, e que logo agravou o seu estado de estupidez depois de novo coro risonho dos índios:
                — Huni kuinman! Dayanãwẽ![3]                              
                A esta segunda tão efusiva manifestação, o candidato, ainda meio desconfiado e sem entender bulhufas, mesmo assim, respirou aliviado. Tinha que ser algo bom. O sorriso era agora mais largo e descontraído, quase de agradecimento. Pensou que aquela sua lembrança esporádica e imediata dos índios certamente faria os índios lembrarem-se dele agora.
                O cacique tocou-lhe o ombro em sinal amistoso e, sorrindo, conduziu o candidato, esfuziante de estúpida alegria, até a saída da aldeia. E como prova inconteste de amizade, o cacique, sorrindo, pronunciou as últimas palavras:
                — Huni patapabiakẽ ẽ haibuhairaki.[4]
                Os índios gargalharam. O candidato sorriu de volta em agradecimento definitivo.
                Deixou a aldeia com a sensação de ter feito a melhor de suas barganhas políticas e com o seguinte pensamento: A vitória era certa. Certíssima! Os índios estavam com ele.
                No dia das eleições, a surpresa: vitória do candidato opositor, que nunca se esquecera de visitar aquela e outras aldeias muitas vezes antes, mesmo que não fosse candidato. Estava aí o reconhecimento dos Kaxinawá a um Huni kuin.
                Moral da nossa história? Creio que é hora de nós brincarmos de ÍNDIO!

Wallace Rocha


[1] Autodenominam-se "Huni Kuin" (Homem Verdadeiro). A palavra Kaxinawá significa literalmente "Povo do Morcego" e não é muito bem aceita por alguns indígenas dessa etnia.
[2] Seu falso! (Literalmente: Homem não verdadeiro!)
[3] Seu espertalhão! Vai trabalhar! (Lit.: Homem não verdadeiro! Trabalha!)
[4] Ele é tonto até na esperteza (mas é meu amigo). (Lit.: Homem danado de esperto; é verdadeiro na esperteza. Deve ser entendido por ironia, significando exatamente o contrário, algo bem próximo da nossa expressão “Ô coisa linda!”, significando “feio”, tratamento que só os amigos se permitem)