sábado, 20 de agosto de 2011

Invocação aos Sábios Desavisados



“A educação é tão socialmente revolucionária e igualitária em suas conseqüências, que muitos crêem convictamente que manter as grandes massas em estado de ignorância maciça é um truque mais que maquiavélico – é diabólico.”
(Emil Fahrat)


            Diz a sabedoria popular que “Quando um burro fala, os outros baixam as orelhas”. Outros, sábios mais científicos e exatos!, afirmam que a frase é “Uma balela, pois burro que se preze não deveria nem mesmo ouvir, que dirá falar!”. Mas sabemos que isso é apenas uma metáfora e, por isso, para mim, não há a menor diferença entre a sabedoria popular e a desses outros bem mais sábios. Estes prescindem do empirismo; aquela, do conhecimento científico. Se a minha distorcida (por ser quase plagiada) afirmação está bem posta, estão todos no mesmo barco – o dos mancos e cegos, bem disse Einstein, a propósito de ciência e religião; então, por que não dizer também sobre ciência e sabedoria popular? Mas quem sou eu para teorizar alguma coisa, ainda mais alterar a teoria do renomado alemão? Pois como diz a mesma sabedoria popular: “Santo de casa não obra milagre”. Graças a Deus! Pois nasci em terra de ‘santos’, e estaria agora todo obrado, com o perdão do trocadilho!
E a propósito de tanta sabedoria, que corrente filosófica você defende? A dos mancos, a dos cegos ou a dos santos?
            Eu, particularmente, tenho a minha própria e vou tentar defendê-la, muito embora me pelando de medo de esbarrar numa dessas, o que é bem provável que aconteça. Vou me atrever, contudo.
            Ser sábio, ou pelos menos bem instruído, num país em que aproximadamente 30% dos cidadãos são analfabetos e outros 50% são analfabetos funcionais é, indubitavelmente, um privilégio... um privilégio que dá até vergonha de usufruir, haja vista grande parte da população que se arranja bem na vida ser obturada intelectualmente ou apadrinhada por políticos e líderes obtusos que, presunçosos e inertes, incitam nos jovens um futuro que não souberam alicerçar e, ainda por cima, os entorpecem com um marketing mediocremente apelativo, mas infelizmente vicioso, porque atinge exatamente o ponto de gangrena da sociedade: a alienação social.
E por falar em alienação social, das três formas existentes (a político-econômica, a de achar que a sociedade é o outro, e a intelectual), a pior, a meu ver, é a alienação intelectual, já que é dela que dependem as outras. E isso é patente em nossa realidade altaneira, cuja elite sedutora empinou o nariz para o horizonte e arrebanhou uma legião de condenados sem originalidade que, atacados pela Síndrome do Orangotango, andam a pavonear-se, tropeçando nos próprios erros, sem com eles aprender, porém. Quanta estultícia!
E isso me faz lembrar agora um amigo, que me disse algo mais ou menos assim sobre educação e consciência social: “Uma vez como alunos, temos visto e sentido na pele as fragilidades das nossas instituições durante nossa formação. Estamos tendo uma visão ampla de tudo o que pode ser melhorado com a apenas a aplicação do tão falado “bom senso”, o que até hoje pra mim não fez sentido algum, pois as pessoas tentam nos convencer, por exemplo, de que é bom estudar só para ostentar um diploma, trabalhar sem respeito aos nossos direitos e ainda aceitar tudo com resignação e certa alegria, somente porque sempre foi assim na sociedade brasileira. A pergunta é: como poderemos ser bons líderes ou mestres frente a um grupo, tentando convencê-lo de que as nossas instituições públicas e democráticas são ótimas, se todos nós sabemos que a realidade é outra? Não seríamos tachados de idiotas, medíocres, medievais?”.
O Coruja – assim o chamávamos – tinha apenas posto em poucas palavras, mas com bastante propriedade, o que todo cidadão bem esclarecido e não-hipócrita já sabe: a educação e a política sadias podem ser a redenção de uma sociedade, mas se mal aplicadas são o prenúncio do fracasso de uma nação. Mas isso não é tudo: pior ainda é misturar um arremedo de educação com política suja dentro de instituições que deveriam ser imparciais e zelar pela justiça e igualdade dos cidadãos, bem como de seus colaboradores, mas que infelizmente, há muito, perderam-se como fantoches nas mãos de quem lhes oferece mais vantagens.
Meu amigo estava correto. A ele nada respondi. Sabíamos a resposta. Contudo, quisera que assim não fosse. A verdade, porém, é que somos um povo ajoelhado frente à esfinge da ignorância, ou pelo menos estamos momentaneamente agrilhoados a ela com uma corrente já corroída pelo tempo e que um dia, queira Deus, vai arrebentar; mas o mais incrível: parece-me que quando isso ocorrer, uma minoria de nós não vai querer se levantar, pois alguns acreditam que somos uma unanimidade resignada mesmo, que devemos seguir a um único código, à velha moda de Hitler: Jugend dient dem Führer”[1]. Não precisamos comentar. Foi um fracasso!
            Ademais, sou como Santo Agostinho, e ainda me atrevo a ir mais longe: “Não gosto de acreditar no homem de um livro só”, de uma doutrina só, de uma idéia só, unilateral, fixa. Isso cheira a loucura ou, no mínimo, imbecilidade! Tampouco gosto de crer naquele que é gato, mas passa-se por lebre; ou no lobo travestido de cordeiro, ou ainda no cavalo com orelhas de burro, gerando aí todas essas misturas qualquer animal ignóbil pelo qual não podemos ter admiração: um ser humano vil, talvez. No final das contas, não sei qual das espécies é a pior, só me restando uma certeza: nunca chegarão a ser Coruja! Digam aí todas as espécies de sábios se eu não estiver correto.
            O que quero explicitar é o seguinte: o homem que não procura se educar terá que usar de sortilégios, ser subserviente, bajulador, situações estas que só envilecem o caráter humano. Refiro-me àqueles em quem não se deve confiar, como o que diz “Como eu queria ser assim!”, pois, na melhor das hipóteses, isso só pode traduzir preguiça mental, inveja medíocre ou falsidade velada, e tudo isso pode fazer mal a quem ouve, principalmente àquele que procura se instruir para melhorar. Quero ainda ressaltar que, igualmente, não se deve dar ouvidos ao outro que acha que elogia quando afirma “Queria ter um filho assim.”, pois o organismo dele não suportaria a verdade e poderia vir a morrer de parto. Digo isso por um motivo: como a preguiça, a cobiça, a falsidade e a ignorância poderiam dar a luz ao entusiasmo, ao altruísmo, à retidão de caráter e à sabedoria? E para fechar o raciocínio, ainda há aqueles que, por falta de conhecimento, entendimento e/ou qualificação, usam como poder de convencimento o martelo, a marreta, a força bruta, só “porque sempre foi assim.” Sobre esses, eu já me reservo o direito de nada comentar, pois não valeria a pena. Contudo, valeria citar uma amiga feminista memorável: “O autoritarismo é a arma da incompetência!” Que frase maravilhosa!
            H. G. Wells profetizou em sua Breve História do Mundo que a história da humanidade torna-se cada vez mais uma corrida entre a educação e a catástrofe. E ele está correto, pois conforme nos afirma Emil Fahrat em livro intitulado O Paraíso do Vira-bosta, “A educação é tão socialmente revolucionária e igualitária em suas conseqüências, que muitos crêem convictamente que manter as grandes massas em estado de ignorância maciça é um truque mais que maquiavélico – é diabólico.” Concordo com ele, pois essa dominação alienante pode se dar com uma lavagem cerebral coletiva disfarçada de propaganda ou simplesmente por meio de elogios inventivos de almas piedosas, quase santas, como: “Queria ter um filho assim.”, “Como eu queria ser assim!”, “Agora é a vez de vocês, nós já fizemos a nossa parte.” ou ainda “Vocês estão tendo a oportunidade de fazer um trabalho acima do que lhes compete.” – Esta é demais! Tudo isso quer dizer, na verdade: Que ótimo! Vocês estão trabalhando por mim! Mas se errarem... O que dizer então desse tipo de educação aliada ao martelo, hein? É o máximo! E isso nos reporta agora a Thomas Moore, que continua bem atual, numa tradução contemporânea bem livre: “Como acreditar numa nação que instrui mal os seus cidadãos e cria incapazes para mais tarde culpá-los por suas falhas e puni-los por seus crimes?” Desculpem-me, à exceção de Moore, todos os autores das citações acima, mas eu, particularmente, prefiro a Filosofia do Martelo Nietzschiana.
            Diz um provérbio muçulmano que “A ignorância obriga-nos a fazer duas vezes o mesmo caminho.” E diz também outro provérbio, do qual eu não conheço a nacionalidade (RS!), que “Os tolos fazem por último o que os sábios fazem primeiro”. Se tomarmos isso como base, podemos chegar à seguinte conclusão: ou mudamos agora ou nos arrebentamos!
Mas, meus amigos, não fiquemos desmotivados. Não pratiquemos o que nos ensinam de ruim ou o que nos envergonha; ideemos, sim, algo mais digno de que possamos nos orgulhar, e não vociferemos como asnos na vontade arrogante de fazer discípulos de experiências unilaterais, obsoletas e, às vezes, até hilárias. Está aí o comediante, eleito Deputado Federal com o lema: “Vote no Tiririca. Pior do que tá não fica!” Queria acreditar nele, mas chego a ser pessimista quando vejo o Ministro da Educação às voltas com explicações nada convincentes acerca dos novos livros didáticos distribuídos pelo MEC.
Se continuarmos assim, penso, pior do que está fica. E como fica!
Não quero me entregar a isso!
            Tenho ouvido dizer que não há utilidade alguma em declarar que já fomos idealistas, pois infelizmente é assim, de modo ruim, que as coisas andam, “conforme a maré” e, por isso, devemos nos adaptar, mudar, não sermos mais o que éramos, em outras palavras: devemos envilecer!
Reitero: não quero me entregar a isso!
Ora! Sabemos que o mundo é dinâmico, mudou, mudaram os sistemas, mudamos nós, embora existam alguns que ainda insistem em permanecer na Escuridão da Caverna, insistindo em perpetuar as práticas do seu reduto sombrio!
Certo é que não podemos nem devemos resistir à modernidade do mundo que a nós se apresenta. É inerente ao homem adaptar-se à mudança, enfim, a qualquer situação, mas que não seja à ignorância. Isto não é sadio. Mudemos então, mas para melhor! Pois se nos é dada uma segunda chance é para melhorar, não para piorar. Façamos algo relevante! Deixemos bons exemplos! Mas o façamos por nossos méritos, capacidades e dedicação, não porque nos foi pedido ou exigido, mas por nós mesmos, porque somos competentes, importantes, inteligentes, temos compromisso profissional e consciência social com a nação!
Não há mais espaço para nos extasiarmos com cada ação brutal e vergonhosa que praticamos ou com cada palavra inútil que sai de nossas bocas. Isso só faz valer as máximas de Paul Valery: “O poder, sem o abuso, perde o encanto”, e de Horácio: “Todo asno gosta de ouvir seu próprio zurro”. E se assim é, temos que admitir que “Do dinossauro só perdemos o rabo”. Isto foi o que disse certa vez um professor universitário (do qual não me recordo agora o nome) ao falar sobre educação em um artigo. E isto vem bem a calhar, pois o zurro a que Horácio se refere pode se caracterizar também por qualquer ação ou omissão, principalmente as ruins e as dinossauricamente inadequadas aos dias de hoje. Queira Deus que, um dia, sejam também extintas!
Por hora, creio que muito já falei e quase nada disse, pelo menos do modo que inicialmente pretendia. Acabei por misturar conceitos sobre empirismo e ciência, educação e filosofia, religião e política, e o que mais o leitor quiser enxergar nestas linhas, mesmo que superficialmente...
 E revisitando agora os conceitos de Sócrates sobre ser sábio, não sei se continuo a escrever ou se me contenho. E como já perdi o fio do texto...
“Quod scripsi, scripsi.”[2]
“Hat man mich verstanden?”[3]


OBS.: Este texto esquisito é um recorte de idéias compiladas em conversas com os meus companheiros do CFO. A todos eles dedico esta homenagem textual.


Wallace Rocha


[1] “Os jovens devem seguir o líder.” Lema Nazi-Fascista da Alemanha de Hitler.
[2] “O que escrevi, escrito está.” Foi o que disse Pilatos aos sacerdotes que o censuravam por mandar colocar na cruz de Cristo a legenda Jesus Nazareno, Reis dos Judeus (Jo. XIX, 22).
[3] “Por ventura fui compreendido?” Última frase do livro Ecce Homo, de Friedrich Nietzsche.

sábado, 13 de agosto de 2011

Ainda bem que isso não acontece no Brasil



Delegado Pimentel: Bom, gente, eu vou sair. E o escrivão Herculano aqui fica no meu lugar.
Sargento Xavier: Fica como, se eu tô aqui antes dele?!
Escrivão Herculano: Ih! Mas eu sou escrivão, e você é sargento. E eu sou no-me-a-do!
Sargento Xavier: E eu sou con-cur-sa-do!
Escrivão Herculano: E eu tenho as costa quente!
Delegado Pimentel: E eu não agüento vocês dois! Fui!
                                  
(O delegado sai, e logo depois entra aflita Maria João, secretária do prefeito)
           
Maria João: Sargento Xavier, pode me fazer um favor?
Escrivão Herculano: Ei! Aqui num é a casa da sogra pra fazer favor a ninguém não!
            Maria João: Ãh! Quem é esse aí, Xavier?
Escrivão Herculano: Eu sou o novo escrivão! E o doutor delegado saiu e me deixou aqui pra colocar ordem no galinheiro.
            Sargento Xavier: Aqui num tem galinha! Hã!... só um galo cantando fora de hora!
            Maria João: E o favor é pra mulher do prefeito, Dona Minerva.
Escrivão Herculano: Erh!... Ãh!... E por que você num disse antes. Se é pra mulher do prefeito... então vá, sargento!
Sargento Xavier: Eu vou porque eu quero! Não porque cê me dar ordem.

(Saem sargento Xavier e Maria João)
           
Sargento Xavier: É osso! Essa delegacia tem muito cacique pra pouco índio!


Esta cena se passa no gabinete do delegado Pimentel, novela Morde e Assopra, da Rede Globo, de autoria de Walcyr Carrasco. O texto primoroso de Carrasco, muito mais do que ilustrativo das conjunturas atuais, é também auto-explicativo, e desnecessário seria tecer algum comentário. Nada mais é do que uma crítica daquilo que todo cidadão brasileiro bem esclarecido já sabe. O nobre leitor certamente captará suas precisas alusões.
Gostaria apenas de destacar o palavreado travado entre as personagens Xavier (Anderson di Rizzi) e Herculano (Márcio Tadeu de Lima), que só corroboram o que há muito tem ocorrido com uma nação bem semelhante à nossa.
A propósito, isso só me faz recordar a velha – mas sempre atual – piada em que certo cidadão recorre a um nobre deputado no intuito de pedir emprego para o filho.
            A piada é mais ou menos assim:

                        “Um sujeito vai visitar um amigo deputado e aproveita pra lhe pedir um emprego para o filho que acaba de completar o supletivo do 1º Grau.
                        Eu tenho uma vaga de assessor, só que o salário não é muito bom...
                        ─ Quanto doutor?
                        ─ Pouco mais de 10 mil reais!
                        Dez mil???!!! Mas é muito dinheiro pro garoto! Ele num vai saber o que fazer com tudo isso não, doutor!!! Num tem aí uma vaguinha mais modesta?
                        Só se for pra trabalhar na Assembléia. Meio período. Mas eles estão pagando só 7 mil.
                        ─ Ainda é muito, doutor! Isso vai acabar estragando o menino!
                        ─ Bom... então eu tenho uma vaga de consultor. Estão pagando 5 mil reais por mês, serve?
                        ─ Isso tudo é muito ainda, doutor! O senhor num tem um emprego que pagasse uns 1.500 ou até 2.000 reais?
                                    Ter... ter até tenho! Mas aí é só por concurso público e é pra quem tem curso superior, pós-graduação, mestrado ou doutorado, bons conhecimentos em informática, domínio no mínimo da língua portuguesa e uma língua estrangeira e conhecimentos gerais. Além do mais, ele terá que comparecer ao trabalho todos os dias...

            Longe de mim modificar o processo de construção da verdade incontestável, mas acredito que essas coisas só acontecem em piadas e na novela das sete da Rede Globo. Afinal, nós vivemos num país perfeito, não é mesmo?! Ainda bem que isso não acontece no Brasil.


Wallace Rocha




quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Salve, Ave!

Se desconsiderarmos os idiomas bárbaros existentes à época nos territórios sob o domínio de Roma, poderíamos dizer que o Grande Império Romano, dentro do qual Jesus nasceu, era apenas bilíngue. Na parte ocidental se falava o latim; na oriental, o grego.
Os religiosos, numa decisão sábia, adotaram como idioma eclesiástico o latim, já que era falado pela maioria da população do Império Romano, dentro do qual o cristianismo nasceu e se multiplicou.
No século IV, foi feita a tradução latina da Bíblia por São Jerônimo, o qual corrigiu o Novo Testamento sobre os manuscritos gregos e traduziu, em grande parte, diretamente do hebraico, o Antigo Testamento. Essa tradução, chamada de Vulgata, foi declarada a versão oficial da Igreja Católica, reconhecida como autêntica pelo Concílio de Trento (sec. XVI).
Não precisamos dizer que da Vulgata saíram também as versões das orações que hoje conhecemos, dentre elas a oração da Ave Maria, cuja tradução da primeira frase ou verso, focada especificamente na palavra “Ave”, é a razão desta nota.
E por falar em tradução, quero fazer um parêntese, e explico por quê: considerando que a aceitação de uma obra depende em grande parte da tradução (pelo menos eu tenho essa idéia e uso esse critério na hora de comprar um livro traduzido – posso estar errado!), e é da tradução que dependem também as possíveis interpretações que da obra advém, devo admitir que entendo o ofício da tradução não somente como ciência ou profissão, mas muito mais que isso, como uma arte.
Pois bem: sabemos que “Ave” é uma saudação de boas-vindas ou reverência. E sabemos também que “Ave” pode ser traduzido como “Salve”, “Saudações” ou simplesmente “Olá”, “Oi”. “Ave” então, como qualquer outra palavra com diversos significados, pode ser uma faca de dois gumes. São essas as possibilidades que um bom tradutor deve perceber. Dependo do contexto, esse ou aquele termo será mais adequado a essa ou àquela tradução. E é aí que entra a arte!
Assim, Ave, Caesar! significa Salve, César! E para o contexto e a época, não haveria hoje melhor palavra do que “Salve” para a tradução de “Ave” na expressão em tela. Do mesmo modo pensamos se tomarmos a primeira frase ou verso da oração da Ave Maria, no original latino "AVE MARIA, GRATIA PLENA..." e sua tradução para o português “Ave Maria, cheia de graça...”. Porém temos uma ressalva: por que não se traduziu o “Ave” no português, já que em outros idiomas isso ocorreu, ou pelo menos se tentou fazer, adequando o termo ao vernáculo?
Vejamos alguns exemplos:
Lutero, em sua Bíblia, traduziu para o alemão da seguinte forma: “Gegrüßet seist du, Maria, voll der Gnade…”, o que gerou, na nossa humilde avaliação, certa redundância. De qualquer modo, manteve-se a mensagem e a seriedade da oração.
Henrique VIII, em sua versão para o inglês, registrou da seguinte maneira: “Hail Mary, full of grace...”, cuja tradução do “Ave” vem a assemelhar-se bastante com a escolhida para traduzir o “Ave” em “Ave, Caesar”.
Nos idiomas neolatinos mais falados, porém, houve quem fizesse e quem não fizesse a tradução ou adequação do termo “Ave”.
No francês, optou-se pela versão “Je vous salue, Marie, pleine de grâce...”, que, embora mais despojada, ficou bem posta, sem mais considerações.
No espanhol, foi concedido a Maria ares de majestade com o texto “Dios te salve, María, llena eres de gracia...”. Na nossa opinião, a melhor das traduções.
Veio então o português, “Última flor do Lácio, inculta e bela”, traduzindo o texto da seguinte maneira: “Ave Maria, cheia de graça...”, e é aí que retomamos a indagação: por que não se traduziu o “Ave”?.
Ora! Creio que agora arremato o texto e chego aonde quero, lançando, pois, a minha jocosa e parca tese:
            Defendo que ainda bem que o tradutor optou por manter o “Ave”. Foi uma escolha bem acertada, melhor do que traduzir sem o devido zelo ou arte, podendo até mesmo descambar num desastre! Pois na mão de um tradutor menos hábil ou “cheio de graça”, como este que vos escreve, a tradução poderia não ter ficado tão respeitosa como a alemã ou a inglesa, ou tão bem trabalhada como a francesa ou a espanhola. Vai que este tradutor cheio de graça escolhesse, dentre todas as possibilidades de tradução da palavra “Ave”, simplesmente o “Oi”! Teríamos o seguinte texto, embora seja desnecessário mencionar: “Oi, Maria, cheia de graça...”.
Acrescentando ainda a essa versão uma pitada de travessura, um tom de voz sedutor, e pronunciada a frase de modo maroto, cheio de gracejos, certamente teria sido criado o maior dos desrespeitos eclesiásticos, transformando o sagrado em profano, pois soaria como insinuante gesto de galanteio ou inusitada impressão de safadeza, com o perdão da santa! Ave, Maria!
Portanto... Salve, Ave!


Wallace Rocha